Aos 11 anos, antes mesmo de perceber qualquer sinal de transformação no corpo, a paulistana Juliana de Faria ouviu palavras de um homem na rua que, até hoje, aos 28, não tem coragem de repetir. Chorando enquanto voltava para casa, foi abordada por uma mulher que demonstrou preocupação pela criança. Quando Juliana explicou o que havia ocorrido, a adulta ficou aliviada e explicou à ingênua menina que ela deveria entender aquilo como um elogio. "Como algo que me machucava e constrangia poderia ser positivo?", questiona ela desde então.
O que começou como reflexão pessoal se transformou no blog Think Olga, criado por Juliana, hoje jornalista profissional e militante pela igualdade de gênero. O questionamento agora é um chamamento coletivo a partir da campanha "Chega de Fiu-Fiu", cujo objetivo é conscientizar a sociedade que a prática de cantadas é considerada ofensiva pelas mulheres.
"Não consegui achar informações sobre esse tema no Brasil. Nem tese, pesquisa, dado governamental, nada. Então pensei em fazer alguma coisa", diz.
Um dos principais dados a embasar a proposta veio de uma ex-colega de trabalho, a também jornalista Karin Hueck. Ela organizou um formulário de pesquisa e disponibilizou na internet para que outras mulheres pudessem relatar casos semelhantes e se posicionar sobre a questão.
Em dez dias, o levantamento teve quase 8 mil respostas, além de diversos agradecimentos de mulheres pela oportunidade de compartilhar um problema que até então permanecia anônimo.
"Também muitos homens escreveram para dizer que nunca tinham pensado sobre isso, enquanto outros reafirmavam o direito a falar o que quiser para as mulheres", destaca Karin. "Com a pesquisa, percebemos que a liberdade das mulheres está sendo tolhida. Elas deixam de vestir certas roupas ou caminhar por certos lugares", aponta.
Tipo de dominação
Esse é um debate que tem ganhado corpo no Brasil. A Marcha das Vadias, organizada transversalmente por diferentes grupos ligados à igualdade de gênero, acusa esse comportamento como representativo de um tipo de dominação há muito superado. "Esse tipo de comportamento tem como propósito intimidar a mulher, reduzi-la a um objeto, a um pedaço de carne", afirma Mariana Raquel Costa, uma das organizadoras da marcha em Curitiba.