Opinião
"Essas ações só humilham e oprimem"
Amanda Audi, repórter da Gazeta do Povo
Há alguns dias, voltando do trabalho, me vi cercada por um bando de torcedores de futebol. Devia haver uns 15 deles. Tentei desviar, mas eles me seguiram e me encurralaram. Então um deles passou a mão na minha barriga e tentou pegar na minha mão. Na hora dei um pulo pro lado e apressei o passo. O coração batia forte e eu me senti mal, muito mal. Tudo isso aconteceu na Praça Rui Barbosa antes das 21 horas da noite.
Ser mulher em uma sociedade ainda predominantemente machista é difícil por vários motivos, mas a falta de liberdade causada pela insegurança é o pior deles. Se você é mulher, deve sentir algum nível de desconforto em andar em ruas escuras, ou com pouca gente, ou usar roupas consideradas "provocativas" em ambientes públicos. É preciso estar atenta, o tempo todo, a uma série de fatores. Observar se tem gente na calçada, se os tipos são estranhos, como te olham, se te seguem, e antecipar qualquer perigo que possa aparecer. Toda essa preocupação me parece muito injusta. Priva a mulher da liberdade que deveria ser inerente a todo cidadão.
Alguns homens podem achar que esse tipo de atitude poderia ser vista como um elogio ou algo inofensivo. Mas essas ações só humilham e oprimem. Eles estavam em grupo, viram uma menina sozinha e usaram o poder que tinham. Poderia ser qualquer outra assim como acontece todos os dias com mulheres de todos os lugares. Na maior parte dos casos, as cantadas de rua não servem para outra coisa senão para colocar a mulher no seu lugar: um objeto que pode ser pego, usado e que está à disposição. Como se merecesse menos respeito do que um homem.
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Aos 11 anos, antes mesmo de perceber qualquer sinal de transformação no corpo, a paulistana Juliana de Faria ouviu palavras de um homem na rua que, até hoje, aos 28, não tem coragem de repetir. Chorando enquanto voltava para casa, foi abordada por uma mulher que demonstrou preocupação pela criança. Quando Juliana explicou o que havia ocorrido, a adulta ficou aliviada e explicou à ingênua menina que ela deveria entender aquilo como um elogio. "Como algo que me machucava e constrangia poderia ser positivo?", questiona ela desde então.
INFOGRÁFICO: Quatro em cada cinco mulheres não gostam de cantadas
O que começou como reflexão pessoal se transformou no blog Think Olga, criado por Juliana, hoje jornalista profissional e militante pela igualdade de gênero. O questionamento agora é um chamamento coletivo a partir da campanha "Chega de Fiu-Fiu", cujo objetivo é conscientizar a sociedade que a prática de cantadas é considerada ofensiva pelas mulheres.
"Não consegui achar informações sobre esse tema no Brasil. Nem tese, pesquisa, dado governamental, nada. Então pensei em fazer alguma coisa", diz.
Um dos principais dados a embasar a proposta veio de uma ex-colega de trabalho, a também jornalista Karin Hueck. Ela organizou um formulário de pesquisa e disponibilizou na internet para que outras mulheres pudessem relatar casos semelhantes e se posicionar sobre a questão.
Em dez dias, o levantamento teve quase 8 mil respostas, além de diversos agradecimentos de mulheres pela oportunidade de compartilhar um problema que até então permanecia anônimo.
"Também muitos homens escreveram para dizer que nunca tinham pensado sobre isso, enquanto outros reafirmavam o direito a falar o que quiser para as mulheres", destaca Karin. "Com a pesquisa, percebemos que a liberdade das mulheres está sendo tolhida. Elas deixam de vestir certas roupas ou caminhar por certos lugares", aponta.
Tipo de dominação
Esse é um debate que tem ganhado corpo no Brasil. A Marcha das Vadias, organizada transversalmente por diferentes grupos ligados à igualdade de gênero, acusa esse comportamento como representativo de um tipo de dominação há muito superado. "Esse tipo de comportamento tem como propósito intimidar a mulher, reduzi-la a um objeto, a um pedaço de carne", afirma Mariana Raquel Costa, uma das organizadoras da marcha em Curitiba.
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