Nas próximas décadas, o Brasil entrará no que os especialistas denominam como a "última fase da transição demográfica": a população vai diminuir a partir de 2038, e em 2050 o número de idosos será quase igual ao de crianças e jovens com até 24 anos. As conclusões são da Tábua de Mortalidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada ontem e que tem 2008 como ano de referência. A estimativa permite prever problemas, especialmente nas áreas de saúde e previdência social.
Em 40 anos, a população com mais de 65 anos irá atingir 22,7%, contra 23,6% da soma das crianças de 0 a 14 anos (13,2%) e dos jovens de 15 a 24 (10,4%). Hoje, os idosos representam 6,7% da população, contra 26% de crianças e 17,7% de jovens. A transição fica evidente quando se olha o índice de envelhecimento a divisão do número de idosos pelo de crianças. Ele deverá subir de 0,25 hoje, ou um idoso para cada quatro crianças, para 1,73, quase dois idosos para cada criança.
Expectativa de vida
Isso acontece porque, como aponta o estudo, a taxa de fecundidade estará em 1,5 filho e não será o suficiente para suplantar o número de óbitos ano a ano. Hoje, já nascem menos crianças que o necessário para manter a população no nível atual. Por outro lado, a longevidade tem crescido constantemente. Na última década, a esperança de vida ao nascer para ambos os sexos entrou na casa dos 70 anos, passando de 69,7 para 72,9 anos (72 anos, 10 meses e 10 dias). Está em 69,1 anos para os homens e 76,7 para as mulheres.
A pesquisa também verificou a esperança de vida para idades exatas e para os nascidos em cada estado. Os recém-nascidos no Paraná têm uma esperança maior que em Alagoas 74,4 anos contra 67,2 , mas menor que em Santa Catarina ou Rio Grande do Sul. Em ambos os estados, a expectativa de vida supera os 75 anos.
Previdência Social
Essa nova transição demográfica, em que a população começa a envelhecer e diminuir, terá grandes impactos na sociedade. O aumento no número de idosos e a diminuição relativa da força de trabalho deve pressionar as contas da Previdência Social. "Estaremos na mesma situação de países desenvolvidos, como a Itália e a França, que tiveram de subir a idade mínima de aposentadoria para 70 anos, a fim de segurar o aumento dos gastos", compara Enrique Saravia, professor do mestrado em Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas. No Brasil, a idade mínima para aposentadoria é de 65 anos para homens e 60 para mulheres, mas não se aplica a quem tem 35 anos de contribuição.
Mais cedo ou mais tarde, pensa Saraiva, uma reforma do financiamento da Previdência será inevitável. "A contribuição dos trabalhadores ativos sustenta os benefícios, mas com a desproporção entre eles a situação ficará insustentável", acredita. O mesmo vale para o sistema de saúde. "Ele foi desenhado para uma população em crescimento, em que temos um grande número de crianças e por isso há enfoque na atenção a essa população. Só que as doenças que acometem os idosos são mais complexas e dispendiosas", observa.
Para a psicóloga Sandra Oliveira, professora do Núcleo de Estudos da Pessoa Idosa, já é possível sentir o impacto de uma população em envelhecimento, especialmente porque, ao contrário dos países desenvolvidos, o sistema de proteção social brasileiro não é suficiente, na opinião de Sandra. "É comum você ver pessoas que gostariam de se aposentar, mas não podem, porque não teriam como se sustentar. Mas há o oposto, quem sente que tem energia para continuar", diz.
É o caso de Zelinda de Bonna, 72 anos, um retrato desse alongamento da vida ativa, que descobriu sua primeira profissão aos 50 anos. Casada muito jovem, por volta dos 30 anos ela resolveu vender roupas às amigas. O hobby virou profissão quando Zelinda se divorciou e abriu uma butique, negócio que só passou adiante há dois anos, e não por cansaço: ela quer se dedicar mais à segunda profissão. "Estou preparando cestas de Natal para entregar a catadores de papel. Sinto que tenho energia para contribuir muito ainda", explica.