Visto de fora, o Colégio Estadual Professora Maria Aguiar Teixeira, no Capão da Imbuia, desperta o balançar das cabeças e a mais derrotista das onomatopeias: tsc, tsc, tsc. O motivo da reprovação instantânea é só um: a escola, um belo exemplar da arquitetura modernista da década de 1960, tem sua fachada toda pichada por gangues do Cajuru.
Professores e alunos em mutirão, mais de uma vez, gastaram baldes de água e sabão para limpar a fina azulejaria portuguesa que reveste o prédio, sem sucesso. São eles, com folga, os que mais se incomodam com a primeira impressão, "aquela que fica". Não há problema comum a qualquer escola que lhe seja estranho ao Maria, como é chamado, da indisciplina à drogadição, do abandono escolar às dificuldades de aprendizagem, passando pela carência de recursos: estima-se que 90% dos estudantes venham de famílias com renda entre um e cinco salários.
A propósito, o Maria Aguiar tem até problemas a mais, precisou superá-los e este é, por certo, um de seus segredos. A dizer. Na década de 1960, a escola funcionava como um puxadinho do vizinho, o Colégio Estadual República Oriental do Uruguai, no mesmo quarteirão. Em 1966, ganhou uma planta nova, que só saiu do papel em 1972, quando passou a ocupar o atual prédio, um condomínio de luxo se comparado à maioria das instituições de ensino.
Para que se tenha ideia, o piso das salas de aula projetadas para não mais de 30 alunos são de imbuia. O pátio coberto recebe luz natural e é ladeado por mezaninos. Tudo é claro e arejado na fria e cinzenta Curitiba. Em volta, naqueles idos, o Maria tinha como clientela os filhos dos operários da Rede Ferroviária Federal que povoavam as casinhas de madeira do Cajuru, um dos bairros mais antigos e bem servidos de quintais na cidade. Quase um conto de fadas, não fosse, três anos depois, ser chamado às pressas à vida adulta.
Depois da Geada Negra, que dizimou os cafezais paranaenses, em 1975, o Cajuru e o Capão da Imbuia se tornaram o destino de milhares de nortistas sem-terra. A população da capital paranaense praticamente duplicou naquela década de 600 mil a mais de 1 milhão de pessoas , conta paga, em parte, pelas escolas da periferia, às quais coube incluir os expulsos do campo. As salas de fato ficaram pequenas. Não bastasse ter de aprender a lidar com situações de pobreza extrema e com as fumaças da violência, em 1982 exatos dez anos depois de ganhar casa nova as escolas Maria e República do Uruguai viram surgir, rente aos seus portões, a canaleta da Avenida Presidente Affonso Camargo. Se o crescimento desordenado não era propriamente um amigo da educação, o ônibus expresso menos ainda: o colégio se tornou uma vítima do trânsito. Mais do que atropelar, o que volta e meia acontece, ele o isola.
Numa comparação grosseira, é como se o Colégio Maria Aguiar estivesse no degrau mais baixo de uma escavação geológica. Acima dele está a vida do ônibus, protegida por paredões de concreto para evitar deslizamentos. Um pouco mais ao alto, a linha do trem. Outro tanto mais, a Avenida Maurício Fruet. Em linha reta, só se chega a esse topo por escalada, característica que deixa a bela fachada do Maria escondida, à mercê dos sprays; e os cerca de 3 mil alunos que circulam pelas duas escolas da quadra encurralados pelos coletivos, motoqueiros e automóveis.
Mesmo "com tudo contra", impossível não identificar no Maria, de pronto, um espaço educativo de excelência. No final dos anos 2000, por exemplo, a escola respondeu à pichação com oficinas de grafites e estudos sobre a violência muitos dos seus alunos, vindos da Vila Trindade e Vila Autódromo, afinal, estão sujeitos a ela.
Para não ter sua beleza roubada, os 1,3 mil alunos do colégio se tornaram meio experts em trânsito, em segurança pública e, principalmente, artistas. A instituição pode se orgulhar de dizer que duas de suas salas mais ocupadas são a de artes e o auditório. O celular, de problema, virou solução uma turma do ensino médio produz filmes com os aparelhos. Um dos curtas, divertido, é sobre a lenda de que o fantasma de Maria Aguiar uma professora do Colégio Estadual do Paraná que morreu jovem ronda a escola. Pelo que tudo indica, Maria não tem nada de assombração.
Uma pequena academia de cultura
No fim de maio último, as salas do Colégio Estadual Professora Maria Aguiar Teixeira se converteram em uma grande oficina de dança. Era domingo. A turma do Balé Teatro Guaíra chegou cedo e gostou do que viu: cerca de 300 adolescentes lotando os cursos oferecidos. Mal sabiam que para o pessoal do Maria participar é rotina e "rotina é envolvimento", como repete o diretor Alexandre Torrilhas, 36 anos, professor de História, nove anos de Maria.
Alexandre, sozinho, não responde pelo clima alegre do colégio. Mas seu estilo bem representa o que a instituição vem construindo nos últimos 20 anos, tempo em que se tornou não uma instituição revolucionária, mas uma instituição que enfrenta os assaltos a que estão sujeitas as escolas públicas. Violência, mobilidade, relações de vizinhança, diversidade sexual, novas culturas urbanas nenhum desses temas lhe é estranho.
Todos no Maria são entusiastas. Na mesma conversa em que destacam a capacidade de trabalhar juntos, frisam que a arte e a cultura têm parte nessa história. "Arte aqui é um trabalho levado a sério. Não preciso parar a aula para passar sabão em aluno", conta Séfora Jacomini França, 45 anos, numa sala cheia de adolescentes, tarefa que divide com a professora Regina Von Linsingen, 55.
Arte chama arte
A lousa que embeleza a sala foi doada por uma instituição particular, o Dom Bosco, mas as aulas de Educação Artística não vivem de esmola. O orçamento do colégio prioriza tintas, papéis e quetais, livrando a disciplina de uma de suas danações a de ser um mero apêndice escolar. Se há uma impressão que fica numa andança pelo Maria Vieira é a de que é um espaço criativo. E arte chama arte. A dança é um exemplo. O teatro e o cinema, outros. "São instrumentos para a vida", diz o professor Jefferson Araújo Moraes, 29 anos, graduado em Teatro pela Faculdade de Artes do Paraná, a FAP, recém-chegado ao colégio.
A maior parte de suas aulas são fora da sala, ora acompanhando roteiros de cinema inscritos num festival ibero-americano e laboratórios de linguagem cênica, algo um tanto incomum na rede pública de ensino. Jefferson faz também o jornal interno e investe na pesquisa em grupos, grandes seminários e publicações. "Adolescentes têm fascínio pelo audiovisual. Não consigo imaginar aprendizado que não passe pela produção de imagem", comenta.
Maria Aguiar e as outras
A reportagem da Gazeta do Povo repassou à educadora Elisa Dalla-Bona, doutora em Letramento Literário, os resultados da pequena imersão no Colégio Estadual Professora Maria Aguiar Teixeira. Com base nas informações, a docente do curso de Educação da UFPR entende que a grande conquista da escola do Capão da Imbuia é ter conseguido uma atmosfera favorável ao trabalho educativo e o afeto dos alunos pelo colégio. "Justo o mais difícil", comenta.
No mais, Elisa entende que a escola faz parte de uma tendência que pode ser verificada em outras instituições públicas de ensino que atuam em situações adversas. Esses centros não são revolucionários ou modelos, como se pode imaginar, mas primam por dar respostas às demandas crescentes trazidas pelos sistemas de avaliação e pelo planejamento escolar. "Há uma pressão cada vez maior para sair do marasmo. Me parece ser o caso do Maria Aguiar. Tudo indica ser um colégio que reage", ilustra.
Para Elisa, muitas vezes o indizível percebido no clima de uma escola vale mais do que os dados e as notas favoráveis. Trata-se de um aspecto nem sempre valorizado nas análises educacionais, sujeitas aos rigores da crítica pedagógica, não raro alheia à ação cotidiana dos professores e servidores. Ao superar limitações, eles fazem a diferença na vida dos alunos.
No que tange ao sistema de avaliações, contudo, a educadora é otimista. Entre 2005 e 2009, o Maria passou de 3,4 para 3,7 no Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico, o Ideb, atingindo o que o Ministério da Educação considera razoável. A média no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, em 2010, idem, está acima dos 400 pontos necessários previstos pelo ProUni para concorrer a bolsas de estudo no ensino superior.
Colégio Maria Aguiar
VIDA E CIDADANIA | 2:44
A estudante Gabriela Olstan, de 13 anos, apresenta a escola onde estuda, o Colégio Estadual Maria Aguiar Teixeira. "O que se vê por fora não diz como ela é por dentro".