Talvez não haja maior conflito ético para um médico do que ter de decidir pela vida ou pela morte de um paciente. Essa angústia, no entanto, se dá mais por falta de informação do que pela necessidade de tomar a decisão de desligar ou não o aparelho que mantém alguém vivo. O dilema decorre das diferentes interpretações práticas de três palavras cuja raiz é a mesma: thanatos, ou morte. A confusão se estabelece quando o médico acredita que ao promover a ortotanásia terá as mesmas consequências penais da eutanásia, e assim opta pela distanásia. Tudo fica mais claro quando se diferencia uma da outra.
Na eutanásia, um suicídio assistido, o paciente em fase terminal decide pela interrupção dos fenômenos biológicos, talvez reversíveis, com a retirada dos aparelhos ou medicamentos que o mantém vivo. A ortotanásia, quase sinônimo da eutanásia, consiste em suspender o tratamento que mantém artificialmente a vida, deixando o paciente morrer de forma mais confortável. Já a distanásia, oposto da ortotanásia, prolonga artificialmente a vida de um doente terminal sem perspectiva de cura ou melhora.
A ortotanásia evita a distanásia. Ou seja, deixa-se que a morte se desenvolva de forma natural. O Conselho Federal de Medicina condena a distanásia, mas ela ocorre porque os médicos temem acusações por omissão de socorro ou por praticar eutanásia, considerada crime no país. A avaliação é do médico Gabriel Wolf Oselka, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria e professor associado da Universidade de São Paulo (USP). Oselka fez apresentação desse tema durante o 3.º Congresso Internacional de Especialidades Pediátricas, realizado semana passada em Curitiba pelo Hospital Pequeno Príncipe. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo.
Em que ponto está centrada a discussão bioética da distanásia?
No Brasil, um número grande de pacientes em fase terminal tem a sua vida prolongada não por opção própria, mas porque os médicos, por alguma razão, não oferecem a opção pelo fim do tratamento.
Quando há prolongamento da vida sem sofrimento não é considerado distanásia?
Mesmo que o paciente tenha doença grave, incurável, continua sendo distanásia. Só que a grande maioria das doenças que chegam nessa fase tem associado um grau de sofrimento, as limitações típicas da fase terminal de uma doença. Mas o processo é entendido como distanásia.
Uma coisa é a distanásia quando o paciente é idoso, em estágio terminal, outra é diante de um paciente jovem, uma criança. O drama do médico não é maior?
É evidente que há um fator subjetivo quando se trata de um paciente pediátrico, mas os dilemas são os mesmos. A rigor, são os mesmos. A diferença fundamental com criança é que no processo de decisão há intermediários, e isso às vezes traz problemas além dos relacionados à distanásia. Quem decide pode estar transtornado, eventualmente pode haver conflito entre pai e mãe.
O que se deve esperar de um médico e de sua equipe diante de um paciente nessas condições?
Óbvio que em qualquer situação espera-se de todo médico humanidade, consideração e relação de respeito com o paciente. Mas nesse caso em particular, quando é difícil o procedimento, o médico deve ser extremamente honesto e transmitir ao paciente sua real situação para que ele tome suas próprias decisões. Quando se fala em autonomia, ele só pode decidir se tiver o conhecimento claro da situação.
Qual sua opinião a respeito da distanásia?
Creio que todos os médicos sejam contrários à distanásia. Ela acontece no Brasil porque os médicos têm receio de oferecer aos pacientes a oportunidade de limitar o tratamento por medo de consequências legais. Isso acontece porque se confunde muito com a eutanásia o ato de limitar os recursos que prolongam a vida de um paciente em fase terminal. Eu até procuro fugir desses termos para não criar mais confusão. Estamos falando de dar ao paciente opção de decidir o que ele quer.
Cabe então ao paciente decidir pela continuidade ou não do tratamento?
Com as exceções que naturalmente existem, praticamente a totalidade dos médicos entende que nesses casos quem sabe o que é melhor para o paciente é ele próprio. Mas em um número enorme de casos não se dá ao paciente essa possibilidade porque se ele optar pela limitação do tratamento isso poderia ser entendido não como recurso em benefício do paciente, mas algo na linha da eutanásia, e o médico acredita que poderia ser condenado por omissão de socorro, ou pior, por eutanásia. São coisas completamente diferentes, mas ainda existe muita confusão entre os médicos. Essa é uma das razões, talvez a principal, por ainda ocorrer distanásia no Brasil.
Então a discussão não seria mais de ordem legal, do ponto de vista jurídico, do que de ética médica?
Essa é uma discussão basicamente médica, porque cabe aos médicos adotar essas medidas.
Sim, mas se há esse receio de uma repreensão legal...
Esse receio é infundado. Vamos pegar um exemplo. A eutanásia é considerada crime na legislação brasileira, mesmo nesse caso a discussão ética existe, mas muito limitada porque a legislação proíbe. Outro exemplo, o aborto. Podemos discutir o quanto quisermos, mas a legislação impõe limites. Não é o caso da distanásia, esse é o ponto a enfatizar. Distanásia não é crime, não existe nada na legislação brasileira sobre isso. Não há nenhum médico que tenha sido condenado por ter limitado o tratamento na fase terminal de um paciente com doença grave e incurável. A gente insiste na discussão ética exatamente para que o médico tenha convicção de que se a distanásia não traz benefício ao paciente, muito pelo contrário, ele também tenha o claro convencimento de que a questão legal é controvertida.
Então a distanásia continua acontecendo por causa da desinformação dos médicos?
O problema é desinformação mesmo, sobre o que o médico pode ou não fazer. O Conselho Federal de Medicina, que não seria irresponsável de ir contra as leis, colocou no seu código de ética a questão da distanásia. Porque ainda não existe uma lei que trate disso. Por exemplo, muitos acham que o aborto de anencéfalos deveria ser liberado, mas isso não está no código de ética médica porque não adianta o Conselho dizer que acha isso eticamente justificável quando a legislação não é clara a respeito. No caso do prolongamento da vida de paciente terminal, o código é claramente contra a distanásia.
O esforço médico é sempre pela preservação da vida, mas o consenso é de que nesse caso não vale o prolongamento da vida com sofrimento?
Nem sequer a Igreja Católica, talvez a mais intransigente defensora da sacralidade da vida, defende a vida a qualquer custo.
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