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“Celas” de aula

Um depoimento sobre a liberdade e os livros num espaço prisional

Ires Falcade e Ana Beatriz Tozzatto:  ousadia para atuar no  Ceebja“Mário Faraco”, na PCE. | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Ires Falcade e Ana Beatriz Tozzatto: ousadia para atuar no Ceebja“Mário Faraco”, na PCE. (Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

Uma década atrás, ao avisar ao marido e filhos que ia dar aula no “Mário Faraco”, a professora de Educação Física Ana Beatriz Tozzatto recebeu um sonoro “não”. Fez de conta que não ouviu . “No geral, quem dá aulas aqui é porque gosta de desafios”, lembra Bia, como é chamada, enquanto conduz um carro entre a sede do Ceebja e o Parque Agrícola, para uma inspeção de rotina nas salas e “celas” de aula.

Ela se despede da direção da escola no próximo ano – “porque estou com saudade do contato com os alunos”. Hoje, a família adora quando Bia conta “como é que é” ter grades separando o professor do resto da classe. Ela não só relata em detalhes como se alista entre os acreditam que a madureza da experiência prisional possa ajudar professores que atuam em outras áreas. “Muita gente que leciona em zonas de risco nos pergunta como agir. Dizem que os alunos deles de hoje serão nossos alunos amanhã.”

A frase é feita, mas tem seu fundo de verdade. Ana Beatriz, Ires Falcade e outros professores do “Mário Faraco” concordam que os presos estão cada vez mais jovens – “são do nível 2”, como se diz, sobre uma clientela que teve uma relação mais profunda com o ensino antes do cárcere. Até o final dos anos 1990, a incidência de analfabetos no sistema era gritante. As duas situações dizem muito sobre a origem dos detentos.

A reportagem entrevistou quatro presidiários da PCE. Apenas M.P.M, 34 anos, tinha baixíssima escolaridade quando chegou ao sistema. Entrou no Ceebja em 2007 e conclui agora o ensino médio “a duras penas, pois sou péssimo em Matemática”. Assim como tantos, admite que “tinha vergonha” por ter estudado tão pouco. “Vou sair, fazer faculdade, mostrar para que posso mudar”, diz, de posse da quase desesperada retórica prisional.

No mais, impressiona vê-los falar de projetos futuros – e dos livros que leram (O reverso da medalha, de Sidney Sheldon, é campeão de audiência). Os elogios aos professores, igualmente, são constantes. “Eles nos querem bem. Somos uma referência afetiva no meio desse lugar tão cinzento”, observa Bia.

“Acho que meu mundo ficou maior”, diz T.T., 33 anos, oriundo da classe média curitibana e parecido com o ator Fábio Assunção. Foragido, entregou-se e conseguiu a matrícula no Ceebja. O que vai cursar quando sair? “Teologia”, responde à queima-roupa. A força da religião nos presídios é um estudo de caso dentre tantos que os pesquisadores do “Mário Faraco” devem investigar.

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