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Enquanto no exato instante em que escrevo meus 17 leitores estão indo às urnas votar, aqui o domingo já acabou e pela janela do hotel vejo o mundo escurecer chuvoso: estou em Tóquio. Quando fui para a Austrália, achei que havia feito a mais longa viagem da minha vida. Engano – agora sim, fiz a viagem mais longa, com uma parada em Paris, quando de fato percebi que já estava muito longe do Brasil.

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Para bem conhecer nossa terra natal, temos de sair dela. Depois de penar no aeroporto de Guarulhos – em ruínas, sujo, lotado, barulhento e caótico, que vem servindo de mote para ofender as rodoviárias brasileiras, que são pontuais –, a espera no aeroporto de Charles de Gaulle, aquele espaço imenso, inteiro high tech, deu a dimensão do nosso atraso. E há pouco o desembarque no aeroporto de Narita repetiu essa impressão do crônico descompasso brasileiro. Isso é humilhante. Mas, para um otimista como eu, é sempre bom um choque de realidade. Bem, fica para outra hora especular por que o Brasil, nas últimas décadas, deixou sua infraestrutura ruir, para onde quer que se olhe (semana passada, fui de Curitiba a São Paulo em 40 minutos; esperei outros 40 por um táxi, e mais 50 para chegar ao hotel, e essa era a opção mais rápida possível, à falta de um helicóptero. Enquanto isso, o rádio comentava apagões nordestinos).

Mas vamos falar de coisas amenas: nessa viagem perdi um dia da vida, já não bastassem esses anos todos que não voltam mais – porém, garantem que pelo menos essas horas serão recuperadas. Não me importei, correndo atrás do resultado do jogo do Atlético na tela do computador e já recebi a primeira boa notícia do Oriente: ganhamos de 3 a 0! Por um segundo delirante, imaginei que só eu no mundo soubesse do resultado, uma vez que o jogo, pelos mistérios do fuso horário, quem sabe ainda estivesse para começar em Curitiba?

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Outro choque de realidade: não cruzei a linha do tempo; só perdi um dia. O que me lembrou A volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne, leitura da minha infância. A narrativa conta a história de um tira-teima: o milionário inglês Phileas Fogg aposta com amigos – vivendo na moderníssima Londres do século 19 – que já é possível fazer a volta ao mundo em 80 dias. Exatos 80 dias depois, numa sequência de peripécias maravilhosas, em que ele vai calculando o tempo, imagina que perdeu a aposta por míseras 24 horas, até descobrir ao acaso, ao abrir, fleumático, o jornal, retomando sua rotina no clube, que era ainda o 80.° dia, justamente pelos mistérios do fuso e da rotação da Terra. Não me perguntem por quê – Júlio Verne explica.

Mas não estou aqui a turismo, embora não largue minha máquina fotográfica: como ainda não cheguei à fase do almoço grátis, tenho palestras a fazer sobre literatura brasileira, no Japão e na China. Bem, nesses dias, enfim, terei alguma coisa nova a contar nas minhas mal traçadas linhas.

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