Avaliação
Serviço brasileiro é considerado estável
No filme 007 na mira dos assassinos, de 1985, o vilão da vez pretende explodir o Vale do Silício para destruir as redes e, com isso, assumir o controle de todo o setor de tecnologia da informação. Hoje, a ameaça parece cada vez menos realista, se é que algum filme da franquia algum dia já o foi.
A criação da internet pelas Forças Armadas norte-americanas, na década de 1960, objetivava justamente proteger os dados de um ataque inimigo. A mesma lógica de descentralização se estabeleceu como padrão. "A rota dos dados não é predeterminada, vai escolhendo o caminho conforme as disponibilidades. Teria que ser uma catástrofe muito grande para derrubar tudo", afirma Eduardo Todt, coordenador do curso de Ciências da Computação da UFPR.
Efeito queda
Ele avalia que o serviço brasileiro pode ser considerado estável. "Fiquei sabendo de pessoas que pretendem processar as empresas pela queda. Todo sistema é sujeito a falhas, a menos que use precauções típicas da Nasa [Agência Espacial Norte-Americana] ao lançar foguetes: cinco computadores fazendo a mesma coisa. Mas ninguém vai estar disposto a pagar cinco vezes mais para ter essa precaução", ressalta. (OT)
17,6 milhões
de residências possuem acesso à internet no Brasil, conforme dados do Censo 2010 divulgados na sexta-feira passada pelo IBGE.
66 horas por mês
é o tempo gasto pelos brasileiros na internet. A informação faz parte de uma pesquisa do Ibope feita em 2011.
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Para quem tem mais de 25 anos, a internet é uma ferramenta surgida em algum ponto da vida e que, aos poucos, foi se tornando mais presente no cotidiano. Após a queda do fornecimento do serviço na quarta-feira passada, que afetou os estados do Sul e São Paulo, muitos lembravam como as atividades eram feitas antes da informática. Para os que nasceram depois do advento, a interrupção ganhou ares de catástrofe. Vários membros da geração alfabetizada com o auxílio do Windows 98 jamais haviam ficado tanto tempo sem a disponibilidade do serviço. Após a volta da conexão, os dois grupos etários separados pela revolução porém unidos de volta por ela se faziam uma mesma pergunta: ainda existe vida off-line?
Os clientes de Luciano Franco Piccinni, diretor de negócios e ideias em uma empresa de publicidade de Curitiba, parecem acreditar que não. Durante a pane, vários deles ligaram para Luciano preocupados por estarem "fora do ar". Enquanto isso, na agência, os funcionários aproveitaram o desligamento compulsório para fazer um exercício que havia se tornado cada vez mais raro por ali. "Passamos várias horas conversando e começaram a surgir várias ideias. Não apenas sobre o trabalho, mas também relacionadas a outros setores das nossas vidas", relata o publicitário de 37 anos, um conectado assumido. "Trabalhamos em grupo, mas nunca tivemos contato um com o outro como nesse dia", avalia.
A história da internet a caracteriza como um tufão que, ao longo das últimas duas décadas, sugou para dentro de si conteúdos e interações que antes se davam por meios analógicos. "Os sistemas estão cada vez mais integrados à rede. Desde os mais complexos, como a transação entre empresas, até os mais simples a agenda telefônica em um celular, por exemplo", exemplifica Eduardo Todt, coordenador do curso de Ciências da Computação da Universidade Federal do Paraná.
A estudante Ana Flávia Santos, 16 anos, é filha de um técnico em computação e nasceu em uma casa repleta de máquinas depenadas. Quando chegou do colégio e não conseguiu acessar a internet, aplicou alguns dos conhecimentos autoadquiridos para tentar descobrir o problema, mas desistiu ao descobrir que a falha era geral. Sentiu-se contrariada por ter sido pega desprevenida, mesmo tendo o cuidado de manter computadores reserva em casa.
Inversão da lógica
"Para alguém que nasceu após a internet, esse sistema é mais profundamente arraigado no cotidiano", diferencia Tonio Dorrenbach Luna, coordenador da Comissão de Psicologia Ambiental do Conselho Regional de Psicologia do Paraná. "Em um apagão, é como se durante duas horas as pessoas começassem a andar nuas pela rua. Elas sentem uma inversão completa da lógica", compara.
Os primórdios da web de massa, no início dos anos 1990, remetem a aficionados trocando mensagens por e-mail, criando uma espécie de radioamadorismo mais avançado tecnologicamente. A criação do termo "internauta" e sua acepção a uma experiência fora do cotidiano hoje soam bastante anacrônicas. Internauta agora é, basicamente, qualquer pessoa que trabalhe nos setores secundário ou terciário da economia, leia notícias, ouça música, jogue videogame, assista filmes. Os livros, última barreira analógica da informação, estão finalmente capitulando com o ataque dos tablets e e-books.
O limite entre o uso e a doença
Se estamos mais na internet do que fora dela, a régua que delimita seu uso em excesso talvez precise ser reposicionada diante de um novo padrão de comportamento. A navegação exagerada na internet avaliada como uma doença tem sido tema de constantes debates na psicologia. Isso é algo que ocorre com frequência na ciência médica. Basta lembrar que a homossexualidade já foi considerada um transtorno mental, enquanto o ato de comer em demasia estava associado a um ganho crescente de saúde.
Hoje, a psicologia clínica avalia a dependência de internet não apenas medindo o número de horas que o paciente passa nela, mas, principalmente, tentando descobrir que tipo de satisfação a pessoa busca na rede.
"O uso da internet pode ser entendido como um transtorno obsessivo-compulsivo quando a atividade gera prejuízo para a saúde ou vida social", explica Tonio Dorrenbach Luna, coordenador da Comissão de Psicologia Ambiental do Conselho Regional de Psicologia do Paraná. "O uso normal precisa ter uma finalidade, seja ela se comunicar, se informar, assistir a uma produção audiovisual, fazer compras. O problema surge quando o ato de estar na web vira uma fonte de prazer por si mesmo", diferencia.
O gigantismo do conteúdo disponível na rede, impossível de ser absorvido por uma pessoa, criou um fenômeno identificado pela sigla Fomo (do inglês fear of missing out, medo de estar de fora). "Como a internet é um espaço ilimitado, gera um desejo ilimitado. Nada pode faltar", comenta Luna.
Colaboraram Ellen Miecoanski e Angélica Favretto, especial para a Gazeta do Povo.
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