Diagnosticar os problemas da Justiça, entre elas a morosidade, a partir da opinião dos 28 mil advogados associados à seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). Esse é o carro-chefe da gestão do novo presidente da instituição, o advogado trabalhista Alberto de Paula Machado, 45 anos. Segundo ele, a lentidão no Poder Judiciário será resolvido somente pela mudança da cultura do brasileiro, deixando de prestigiar os aspectos formais e pensando mais no ser humano.
Machado será empossado hoje, às 20 horas, na sede da OAB-PR. Natural de Curitiba e residente em Londrina, ele defende uma atuação mais forte para resolver os problemas do Judiciário. "Temos uma estrutura gigantesca, é preciso fazê-la funcionar. O governo federal investe muito na Justiça, mas ela não funciona", diz.
Além do diagnóstico, Machado pontua outros três pontos que deverão nortear sua gestão: a luta pela estatização dos cartórios; a Campanha Estadual pela Ética na Advocacia, com o objetivo de prevenir a violação dos direitos da sociedade; e a criação da Defensoria Pública, por meio de um diálogo com o governo estadual. "A população carente tem direito à defesa de um advogado e isso não acontece no Paraná. A criação tem sua necessidade agravada por uma lei recente firmando que, se não houver um advogado para defender um criminoso, ele pode ser solto", aponta.
Machado defende ainda a punição dos corruptores e não apenas dos corruptos, a vinculação do parecer da OAB sobre cursos de Direito ao Ministério da Educação (MEC) e uma democracia participativa. Confira abaixo a entrevista:
Qual é o principal problema da sociedade brasileira?
A desigualdade social. Nós avançamos na questão do regime democrático, mas temos um problema grave e isso contamina a própria cidadania. Se não contermos o desequilíbrio, não permitiremos o acesso a necessidades básicas, como a própria justiça e a educação. Hoje não temos no país uma educação de qualidade que permita à população pobre ter uma educação completa. A OAB tem como ajudar, levantando o tema para debate. Por força de lei, não nos restringimos a temas apenas da corporação, mas é papel da OAB estar sintonizada com grandes temas sociais e promover debates.
Como pode se resolver a morosidade da Justiça?
Mudando a cultura do brasileiro e da Justiça. Nós devemos passar a prestigiar muito menos os aspectos formais, banir o formalismo da Justiça. O professor de Direito precisa ter uma visão mais inovadora, os concursos precisam valorizar mais o sentimento humanista do que o tecnicista. É muito mais importante buscar Justiça que usar roboticamente a lei, a letra fria dela. O juiz precisa estar conectado com a realidade social do país, porque o fim da norma é sempre o homem.
Como o senhor analisa os cursos de Direito existentes?
Houve uma proliferação de cursos nos últimos dez anos. A multiplicação fez com que houvesse uma queda drástica na qualidade de ensino. E isso reflete no altíssimo índice de reprovação nos exames da OAB. A OAB tem sido crítica nesse sentido: não acreditamos que o mercado regulará os bons e maus profissionais porque não achamos justo que alguém faça o curso e não tenha condições de ser aprovado no exame da Ordem.
Qual é a solução?
Além de melhorar o nível de ensino, é preciso que o parecer da OAB dado ao criar-se um novo curso seja vinculativo ao Ministério da Educação (MEC). Hoje, a cada dez cursos criados, a OAB opina a favor de um ou dois, e o MEC cria seis, sete. Não podemos transformar o ensino em atividade comercial. O MEC precisa estabelecer o vínculo com a OAB, para juntos definir a abertura de cursos.
Qual a saída para a corrupção?
A corrupção tem duas faces: quem aceita as vantagens e quem oferece as vantagens, ambos com a mesma gravidade. No Brasil sempre se esquece de um dos lados. Busca-se a punição dos corruptos e nunca ouve-se falar nos corruptores, que também precisam ser punidos. Temos um caso histórico em que o presidente da República foi destituído por corrupção, mas nenhum corruptor foi acusado. Temos corrupção nos três poderes e o Congresso Nacional dá péssimos exemplos à nação brasileira à medida que deixa de punir parlamentares.
Como a sociedade pode aumentar o controle sobre os políticos?
Hoje temos uma democracia representativa. Defendemos a democracia participativa, onde periodicamente a população é ouvida e há uma participação direta ao parlamento. O parlamento recebendo uma consulta popular apenas a cada quatro anos é insuficiente. Foi o que propusemos na reforma política, para que, no curso do mandato, a população possa interferir. Essa é maneira mais eficaz de envolver a população no processo, além dos movimentos populares, que são fundamentais, mas perderam força.
Como o senhor avalia a convocação extraordinária da Assembléia Legislativa?
Pôde-se ver na pauta que a convocação era absolutamente desnecessária. Não havia nenhum grande tema que justificasse tamanho esforço e dispêndio para discutir temas ordinários. Nós somos um país pobre, não podemos nos dar ao luxo de convocar deputados para debater temas ordinários.
Há uma forma de controlar o repasse de verbas para organizações não-governamentais (ONGs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips)?
Hoje não existem mecanismos de controle para evitar a gastança de dinheiro público do país. Os casos de corrupção vêm sempre à tona por denúncias. Onde estão os Tribunais de Contas? Onde estão os mecanismos de fiscalização? Há uma estrutura enorme que não funciona. Enquanto não tivermos mecanismos eficazes, não conteremos a corrupção no país.
E o nepotismo...
Sou absolutamente contra. Mesmo que tenhamos de diminuir o número de cargos e deixar restrito a cargos próximos do governador que exigem confiança. A OAB tem sido muito crítico nessa questão, o que desagradou muita gente.
Pedir reforço do Exército na fronteira é uma ação correta para diminuir a criminalidade?
É uma medida para auxiliar na segurança, mas sabemos que o problema da segurança no país passa pela desigualdade social. Temos uma escola diária de criminalidade. As outras soluções atuam já com o problema instalado, não implica em erradicação da questão. Devemos cuidar das nossas fronteiras, mas não nos iludamos de que isso diminua ou acabe com a criminalidade.
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