Lanteri é cada vez mais ecumênico
Nos dias que antecedem à encenação da Paixão de Cristo, do Grupo Lanteri, é como se uma escola de samba bíblica se formasse nas barbas da cidade. O "sistema" funciona na base da ala. O encarregado do "povo", por exemplo, lida com algo próximo de 600 pessoas. O da turma dos "soldados", com 170. Equipes menores organizam a maquiagem e a indumentária, em infinitas idas e vindas ao barracão do grupo, no bairro Guaíra.
Sim, na Vila São Paulo, espécie de oásis no imenso bairro do Uberaba, onde tudo começou, ficaram apenas as lembranças. São tão fortes que a turma do Lanteri ainda se diz "da vila", mesmo que more nos quatro cantos da capital. E mesmo que não seja mais católica. Massi não sabe precisar as porcentagens, mas vê crescer o número de evangélicos e umbandistas e ateus entre os participantes. "Tivemos de adequar o texto à nova ordem. Só não tirei a passagem da Verônica porque precisava dela para uma passagem de cena", conta, sem perder o humor jamais. "Já quase saí correndo ao presenciar o início de uma discussão religiosa durante um ensaio".
O ecumenismo não é o único desafio do Lanteri. "Nesses anos todos, não aprendemos a ser sustentáveis", comenta o líder Aparecido Massi, sobre um assunto que preocupa o "núcleo duro" da companhia. O medo é roubar a alma do grupo ao tentar moldá-lo às exigências do livro caixa. O ano de 2014 é que vai dizer. "Jesus" acaba de se aposentar na Copel na qual atuava com teatro corporativo e projetos e terá mais horas vagas. Uma das hipóteses é dividir em oficinas a larga experiência do Lanteri com encenações populares. O nome do grupo e de Massi são uma grife no setor.
É sabido que Massi se tornou o ator mais conhecido da cidade. Sua popularidade e aura rendem cenas engraçadas. No passado, quando vivia na Água Verde, a dona de uma padaria volta e meia se negava em lhe cobrar o pão. Não podia fazer isso com Jesus. "Agora moro no Batel e ganho um pãozinho, mas é para minha vira-lata Joyce", conta. Os tempos mudaram. Mas não tanto. Ainda é apontado quando corre seus dez quilômetros diários, nas ruas e praças. E é procurado para dar conselhos. Não é Jesus, mas entende como poucos o que Ele, o próprio, diria.
Serviço
Paixão de Cristo, hoje, às 19 horas, no Bioparque - Av. Senador Salgado Filho, 7.636 Uberaba. Ônibus gratuitos a partir das 14h30, na Praça Rui Barbosa, na frente da Casa China. Informações (41) 9103-3989.
Serviço
Paixão de Cristo Grupo Arte e Vida; Rua da Cidadania do Bairro Novo (Rua Tijucas do Sul, 1.700, Sítio Cercado. Hoje, às 19 horas. Entrada franca.
Nos tempos de menino, em Água dos Cágados, zona rural de Ibiporã, Norte do Paraná, o ator Aparecido Izabel Massi, 57 anos, ouviu do pai um conselho: "Meu filho, deixe quieto esse negócio de teatro. Teatro é ilusão". Massi, como é chamado, acha que o pai estava coberto de razão. "É mesmo uma ilusão, uma doce ilusão", festeja o líder de um dos maiores fenômenos de teatro popular do Brasil, a Associação Cultural Lanteri, que em 2014 comemora 36 anos de apresentações ininterruptas da Paixão de Cristo.
Os números do Lanteri nascido modesto da paróquia da Vila São Paulo, no Uberaba são dignos da Fifa. Ao todo, 800 voluntários participam da encenação. O pico de público foi 35 mil pessoas a média, 20 mil. Somando as três décadas e meia, a montagem pode ter atingido algo como população de Londrina, entre 500 mil e 600 mil pessoas. Um feito que conta com uma ajuda de custo da Fundação Cultural de Curitiba na casa dos R$ 180 mil e com a caridade dos próprios participantes, que não se furtam botar a mão no bolso sempre que preciso.
"Cada um traz um pacote de bolacha para o lanche", brinca Massi, personagem cujo rosto se confunde ao próprio Lanteri. O ator formado pelo Teatro Guaíra foi seminarista da congregação dos Oblatos de Maria Virgem. Desistiu da vida religiosa no primeiro ano de Teologia, depois de nove anos de claustro, mas não se furtou de permanecer no grupo de jovens da paróquia. Dessas experiências nasceu a Paixão, sempre com ele no papel de Jesus, mesmo que às vezes tente arrumar um protagonista mais jovem e menos louro.
Hoje, dos 800 atores, não mais do que 15 vêm núcleo original da Vila São Paulo, dos anos 1970, mas mesmo assim é difícil nomear todos os que garantem, a cada ano, uma loucura chamada Paixão de Cristo. A cada edição um novo entusiasta se soma ao Lanteri, fazendo da companhia mambembe sua causa. Há os que balançam, a exemplo do analista de TI Lindon Pessile. "Alô, Lindon, é o Massi...", diz o ator ao telefone, em sua missão de trazer de volta as ovelhas que por algum motivo se afastaram. "Acho que consegui", comemorou, durante a entrevista à Gazeta do Povo.
Piadinha
Durante pelo menos uma década, a convocação para os ensaios era feita pelos Correios. No dia e hora do ensaio, como que por milagre, os figurantes compareciam para a escolha de roupa e treino das marcações. Com os avanços da internet, o Lanteri teve de se modernizar. As redes sociais lhe servem de verdadeiro sopro divino, assim como o e-mail. Ou não. Basta um participante aproveitar a ocasião para soltar uma mensagem com piadinha para descontrair e a caixa postal do Massi desafia o próprio Snowden. "Imagine como fica no meu computador quando isso acontece... Dou bronca, claro..."
A propósito, que ninguém tome a turma do Lanteri por uma legião de ascetas. Eles não raro se estranham, e a ponto de muitos jurarem que a Paixão de Cristo "este ano não sai". As montagens podem ser um fio desencapado. O dinheiro é pouco. As dificuldades são muitas. Basta Massi sugerir uma inovação algo "simples" como Pôncio Pilatos entrar em cortejo pelos fundos, não mais pelo lado para as poucas finanças despencarem. Um soldado a mais custa em média R$ 400 em indumentária. "Este anos refizemos todas as gravações", comenta Massi a encenação é toda dublada. Mais trabalho. Alguns atritos. Sufoco para saldar as dívidas que ano passado chegaram a R$ 12 mil. "O que segura a gente junto? Acho que é Ele..."
A resposta, embora pareça macetosa, é defendida por Massi como um tratado filosófico. Tempos atrás, na tentativa de entender por que tanta gente se mantém fiel ao Lanteri, mesmo ensaiando em horários insanos, ao sabor do sereno e da bile negra dos eletricistas, assistiu, de novo, ao filme Lawrence da Arábia. Foi seu laboratório. "A multidão seguia aquele cara porque acreditava nele. Nossa Paixão é clássica. Não tem atualizações, releituras, nada. Aqui a gente lembra todo ano uma mensagem pura e simples que nos faz bem. Deve ser por causa disso que ainda estamos juntos", pondera.
O celular toca de novo. Há mais um "pequeno" dilema a solucionar, de forma doméstica. Alguém vai à casa de alguém pegar um MP3 e levar no Bioparque, divisa com São José dos Pinhais, para onde as apresentações foram transferidas ano passado. Fecham acordo. Dá tudo certo, garantem se Deus quiser.
Rua Tijucas do Sul vira palco de grande via-sacra
Diego Antonelli
Em poucos meses, o administrador de empresas Marcos Vieira viu sua vida se transformar em uma correria daquelas. Acordar às 4h30 para chegar ao trabalho às 6 horas em Quatro Barras virou só mais uma das tantas atribuições que caíram em seus braços abertos. Há três meses, nasceu sua primogênita, Amábile, e nos últimos dois não ficou um minuto sem se preocupar com a encenação da Paixão de Cristo do Bairro Novo, na capital.
Aos 39 anos, Marcos é um dos coordenadores do grupo de teatro Arte e Vida, formado por atores amadores e que há 15 anos encanta a comunidade. Só no ano passado, 12 mil pessoas foram até a Rua da Cidadania do bairro para assistir à apresentação. O elenco formado por 170 moradores da localidade encarna durante duas horas os papeis bíblicos da via-sacra. Somando equipe de som, iluminação e montagem do palco, 300 pessoas participam do evento, que é o segundo do gênero que mais atrai pessoas em Curitiba.
Intérprete do protagonista da história, Marcos já se acostumou em ser chamado de Jesus pelas esquinas da região. "Me chamam de Marcos, de Jesus, de Vieira. Eu atendo por qualquer nome", conta. Pudera. Desde o início das apresentações, ele já se viu incumbido de subir ao palco e interpretar Jesus Cristo. "É Ele que me ensina a viver", completa.
Dormir virou quase um luxo nesses dias. Ele tem que cuidar dos preparativos e ensaios da Paixão de Cristo e arranjar tempo para fazer companhia à mulher Alessandra e à filha recém-nascida. "Elas têm que me desculpar por algumas ausências. Às vezes, dá vontade de sentar no sofá e descansar, mas nesses dias não tem como", diz.
O início
O projeto começou com uma união de diversos grupos de igrejas da localidade que realizavam a encenação da Paixão de Cristo. A ideia de juntar os grupos e produzir algo de maior repercussão ganhou adeptos e continua a atrair novas pessoas. "Todo ano temos algum integrante novo", destaca Marcos.
As primeiras encenações da trupe eram realizadas em cima de um caminhão improvisado como palco. Há 12 anos, o espetáculo ganhou a Rua da Cidadania como sede fixa. "As pessoas que nos assistem saem chorando de emoção ao ver a apresentação", complementa.
Como muitos adolescentes compõem o elenco, a correria contra a burocracia também faz parte do ritual pré-encenação. "Temos que solicitar à Vara da Infância autorização para que os menores de idade possam participar do evento", conta.
Apoio
Neste ano, para desespero de Marcos, as encenações da Paixão de Cristo saíram da incumbência da Fundação Cultural e passaram para o Instituto Municipal de Turismo. "Quando era pela Cultura a gente recebia verbas por emendas parlamentares e neste ano isso não aconteceu. Mas nós conversamos com o prefeito e a Fundação conseguiu nos dar uma ajuda financeira", relata Marcos.
Mesmo assim, e com ajuda de patrocinadores a maioria de empresas do bairro , o orçamento para o evento que era estimado em R$ 64 mil caiu para perto de R$ 50 mil. "Mesmo assim a qualidade da encenação continuará em alto nível. Estamos nos esforçando para fazer uma apresentação que emocione os espectadores", promete.
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