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No Brasil, a liberdade de expressão da direita enfrenta severas restrições por parte do Judiciário, evidenciadas recentemente pelo Twitter Files Brasil e pelo documento que o Congresso americano expôs no início desta semana sobre o tema.
Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu diversos inquéritos com caráter sigiloso, alegadamente para investigar "fake news" e ataques contra seus membros e a democracia, silenciando dissidências e consolidando a capacidade do Judiciário de agir como acusador e julgador ao mesmo tempo.
A ideia de que os princípios constitucionais estão sendo violados de forma contumaz pelo Judiciário já é admitida até mesmo por alguns formadores de opinião com viés de esquerda, que, embora não sofram o mesmo tipo de perseguição, enxergam uma ameaça grave à liberdade de expressão.
Jornalistas e veículos de comunicação que questionam as decisões do Supremo têm sofrido perseguição judicial e censura; parlamentares são incluídos em inquéritos pelo simples fato de terem expressado opiniões contra o STF – em dois casos, já foram condenados a prisão; plataformas de redes sociais têm se retirado do país devido a pressões para censurar conteúdos.
O desrespeito ao devido processo legal contra cidadãos de direita também se vê no julgamento de manifestantes do 8 de janeiro, que recebem condenações severas sem a comprovação de sua participação em atos violentos ou golpistas.
O guia abaixo resume o quadro de ameaças à liberdade de expressão e de perseguição de um lado político por parte do Judiciário brasileiro.
O artigo 43, o inquérito do fim do mundo, e o labirinto jurídico de inquéritos
Em março de 2019, o Supremo Tribunal Federal anunciou a abertura de uma investigação sigilosa para apurar "fake news" e "ataques" contra ministros do STF – o inquérito das fake news, chamado pelos críticos de "inquérito do fim do mundo".
- A Corte justificou a abertura desse inquérito com um artifício inusitado: usou uma regra do regimento interno do STF, o artigo 43, que permite à própria Corte a abertura de inquéritos em caso de ataques às dependências físicas do tribunal.
- Toda a internet passou a ser considerada dependência física do STF. Com essa manobra, o tribunal trouxe para si casos relacionados a críticas contra seus ministros nas redes, assumindo assim os papéis de juiz, vítima e acusador simultaneamente nesses casos.
- Tipicamente, casos envolvendo ofensas ou difamações contra os ministros deveriam ser encaminhados a tribunais comuns.
- Cinco anos depois, o inquérito ainda está aberto, e dele já derivaram vários outros inquéritos, também sem data definida de conclusão. Geralmente, investigações do tipo devem ter duração breve.
- O inquérito não indica um fato específico a ser investigado, o que contraria a Constituição e torna seu alcance praticamente ilimitado; além disso, viola o sistema acusatório, que exige separação entre o órgão com função de acusar e a autoridade com competência para julgar.
- Mantém-se sigilo da grande maioria das decisões e das fundamentações de decisões dos diversos inquéritos, o que impede que os envolvidos saibam por que estão sendo investigados. Advogados reclamam há anos da falta de acesso à íntegra dos autos dos processos, que se tornaram um labirinto jurídico típico do sistema judicial de ditaduras.
Jornalistas e órgãos de imprensa são censurados e perseguidos quando criticam a Corte, o sistema eleitoral e Lula
Em abril de 2019, Moraes ordenou a retirada de uma reportagem da revista Crusoé e do site O Antagonista, sob ameaça de multa diária de R$ 100 mil. A matéria colocava sob suspeita o ministro do STF Dias Toffoli em um caso de corrupção envolvendo o empresário Marcelo Odebrecht. Essa foi a primeira de uma série de censuras praticadas contra veículos de comunicação, não só no inquérito do fim do mundo, mas em diversas investigações derivadas do inquérito. Algumas delas:
- Em 2020, o canal Terça Livre, que criticava de forma veemente os ministros do STF, foi banido das redes e incluído no inquérito das fake news. Dias depois, o jornalista Allan dos Santos se autoexilou nos Estados Unidos, como forma de precaução contra a perseguição judicial.
- No começo do mesmo ano, Moraes já havia ordenado a prisão de outro jornalista, Oswaldo Eustáquio, no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos, instaurado após manifestações de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro consideradas "antidemocráticas".
- Nas eleições de 2022, após Moraes assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, meros questionamentos ao sistema eleitoral brasileiro, especialmente em relação às urnas eletrônicas, mesmo quando feitos de forma sóbria, foram censurados indiscriminadamente.
- Um dos alvos da censura eleitoral foi a própria Gazeta do Povo, que teve removido pelo Tribunal Superior Eleitoral um post em que citava o apoio do presidente Lula ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega – uma verdade que foi classificada como "fake news".
- O TSE também atendeu a um pedido da campanha de Lula e abriu uma ação para investigar o presidente da emissora Jovem Pan por suposto uso indevido dos meios de comunicação. A emissora, que era uma das poucas a abrir espaço para comentaristas simpáticos ao ex-presidente Jair Bolsonaro, mudou sua linha editorial após a pressão da Justiça.
Parlamentares de direita são censurados, perseguidos e presos
Além de jornalistas, parlamentares de direita foram censurados, perseguidos e presos pelo STF e pelo TSE nos últimos anos.
- No começo de 2021, após um ataque verbal pesado contra ministros do STF publicado nas redes, o deputado Daniel Silveira foi preso preventivamente a mando de Moraes. O vídeo foi removido da internet. A alegação para a prisão e a remoção do conteúdo foi que Silveira estava atacando o Estado Democrático de Direito. Silveira cumpre hoje uma pena de 8 anos e 9 meses por causa do vídeo publicado.
- O STF criou em 2021 mais um inquérito, o das milícias digitais, para apurar uma suposta organização criminosa que agiria no mundo virtual fazendo ataques à Corte e à democracia. Nesse inquérito, ordenou a prisão preventiva do ex-deputado Roberto Jefferson, um crítico incisivo da Corte.
- Os inquéritos incluem boa parte dos principais políticos e parlamentares da direita brasileira, como o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, além de nomes como Filipe Barros, Luiz Phillipe de Orleans e Bragança, Bia Kicis e Carla Zambelli.
- Em muitos casos, os parlamentares não sabem o motivo de sua inclusão nos inquéritos.
- O Judiciário também emitiu decisões contra parlamentares, o que gerou suspeita de perseguição política, como no caso do ex-deputado Deltan Dallagnol, um dos grandes protagonistas da Operação Lava Jato, que teve seu mandato cassado como parlamentar por uma peculiar manobra jurídica relacionada a uma questão administrativa.
Empresários que se manifestam contra o STF e o TSE são perseguidos
Empresários que apoiam financeiramente manifestações de direita ou que simplesmente se declaram em redes sociais e conversas particulares de forma crítica ao STF passam a ser investigados pelo Judiciário.
- Em 2020, empresários que simplesmente financiaram uma manifestação da direita foram incluídos no "núcleo da monetização" de uma investigação do STF contra uma alegada organização "antidemocrática".
- Em 2022, Moraes autorizou uma operação policial contra empresários que meramente conversavam por WhatsApp manifestando indignação contra a situação política do Brasil, entre eles Luciano Hang, das lojas Havan, Afrânio Barreira Filho, do grupo Coco Bambu, e Ivan Wrobel, da construtora W3. Eles teriam defendido um golpe de Estado em conversa privada por WhatsApp, o que, para Moraes, justificaria sua prisão.
- Em abril de 2024, o empresário sul-africano radicado nos EUA Elon Musk foi incluído como investigado no inquérito das milícias digitais.
Redes sociais são perseguidas; algumas saem do país diante da censura
Como mostrou o Twitter Files Brasil, o Judiciário brasileiro tem assediado redes sociais com pedidos de censura e ameaça de multas exorbitantes. Algumas redes cumprem as decisões; outras têm decidido sair do país.
- O Rumble se retirou do Brasil em dezembro de 2023, em protesto contra a censura e pressão governamental. A plataforma de vídeos já tinha cumprido ordens do STF removendo conteúdos.
- Em janeiro de 2024, a rede social Locals anunciou a saída do Brasil após pressões do STF para a remoção de perfis.
- O Telegram foi suspenso por Moraes no Brasil em 2022, mas conseguiu reverter a decisão do STF ao cumprir com exigências judiciais.
- A rede social X também está sob escrutínio no Brasil, com seu proprietário, Elon Musk, e outros representantes legais na mira dos inquéritos de Moraes.
Manifestantes que não praticaram violência são condenados a mais de uma década de prisão
Protestos da direita ocorridos em Brasília no 8 de janeiro de 2023, após a eleição de Lula em 2022, desembocaram em atos violentos, com manifestantes depredando prédios públicos. Moraes comanda também um inquérito relacionado a esses atos.
Muitas das pessoas que estavam nas manifestações não praticaram atos violentos e nem sequer sabiam que o protesto resultaria em quebra-quebra. Ainda assim, milhares dessas pessoas foram presas preventivamente sem respeito ao devido processo legal, e centenas estão sendo condenadas a prisões de mais de dez anos.
- Cleriston Pereira da Cunha morreu dentro do presídio em novembro de 2023 após um mal súbito relacionado a um problema de saúde. Sua morte ocorreu três meses depois de Cleriston obter parecer favorável da PGR para sua liberdade provisória. O documento não tinha sido apreciado por Moraes.
- Iraci Nagoshi, uma dona de casa de 71 anos que achava que a manifestação seria pacífica e não participou dos atos violentos, foi condenada a 14 anos de prisão por Moraes.
- Uma faxineira de 38 anos, mãe de dois filhos – um de nove anos e outro de 19 – foi presa segurando um terço e uma bíblia enquanto se protegia de bombas de gás durante os atos de 8 de janeiro, sem provas de que tenha praticado atos violentos. Ela foi condenada por Moraes a 17 anos de prisão.
- Aproximadamente 100 pessoas já foram condenadas, muitas delas em situações semelhantes às dos exemplos acima. As penas variam de 12 a 17 anos de prisão.
- O STF alega que os manifestantes cometeram o crime de "abolição violenta do Estado Democrático de Direito". Apesar da depredação dos prédios públicos, nenhum deles estava armado, e não há nenhuma comprovação de que eles tenham se organizado para derrubar o poder constituído.
- A tese do golpe também serve para a elaboração de narrativas sem nexo usadas para perseguir personalidades da direita, como no caso recente de Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro, preso há quase dois meses sob a alegação de que ele teria tentado fugir do país em dezembro de 2022. Martins está preso em razão de uma viagem que nunca existiu.