Jovens com transtorno mental que cometem atos infracionais sofrem com falta de legislação.| Foto: Josue Teixeira/Josue Teixeira

Eles estão numa lacuna legal. São menores de idade, cometeram atos infracionais graves e possuem transtornos metais. Se fossem adultos, provavelmente seriam encaminhados para o complexo médico penal. Como têm menos de 18 anos, muitos acabam indo para os Centros de Socioeducação (Censes)

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“Mesmo que seja feito o diagnóstico da doença mental desse adolescente, não tem uma instituição que o receba. Esse é um problema de anos das políticas sociais”, diz a psicóloga Paula Gomide, professora do mestrado em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Entre 2005 e 2007, Paula desenvolveu o projeto Fênix, um trabalho de acompanhamento com jovens internados no Cense de Piraquara.

Psicopatas

Para todos os casos a recuperação é possível, menos para os psicopatas. A sentença desalentadora é da psicóloga Paula Gomide. “Os estudos internacionais não mostram resultados de recuperação para psicopatas”, afirma. Especialista em psicologia forense e acostumada a trabalhar com jovens infratores, ela diz que há como identificar sinais de psicopatia nos adolescentes. Para Paula, a saída para esses casos seria manter essas pessoas em eterna vigilância e conscientes de possível punição caso cometessem algum crime.

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Mesmo sendo de 2012 a lei federal que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, só ano passado Curitiba iniciou um trabalho para fazer o atendimento dos jovens que cumprem medida socioeducativa em meio aberto nos moldes do que prevê a legislação. O coração do projeto são os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) e a intenção é acompanhar o jovem e ofertar a ele serviços de diferentes áreas – como saúde, educação,esporte e trabalho – para promover a sua recuperação.

“O Ministério Público pressionou o município para que isso acontecesse”, admite Cláudia Estorilio, gerente do Núcleo Integrado de Atenção à Criança e ao Adolescente da Fundação de Ação Social (FAS), de Curitiba. A ação ainda está em fase de implantação. Por enquanto, apenas três regionais já possuem o programa – Pinheirinho, Boqueirão e Cajuru. Até o fim do ano, as outras seis regionais devem estar prestando o mesmo serviço.

Da mesma forma que acontece quando o jovem cumpre medida nos Centros de Socioeducação (Censes), é feito um Plano Integral de Atendimento (PIA) quando ele vai cumprir a medida em meio aberto. O documento é uma espécie de diagnóstico da vida do adolescente e possui uma série de medidas que devem ser tomadas na intenção de recuperá-lo. “A ideia é que cada um deles seja olhado de forma individualizada “, diz Cláudia.

Drogas

Quando o assunto é saúde mental, o problema de boa parte dos adolescentes atendidos é com as drogas. “Temos casos de meninos que já tiveram até a capacidade da fala afetada por causa do uso das drogas”, conta Cláudia.

Nesses casos, os jovens são encaminhados para atendimento médico, recebem medicação e, algumas vezes, vão para a internação em clínicas de reabilitação. Em 2013, 32% dos jovens atendidos nos Creas em cumprimento de medida socioeducativa eram usuários de drogas.

Ela conta que um dos atendidos não possuía qualquer entendimento da realidade. Condenado por matar a mãe, ele tinha idade mental de sete anos e vivia delírios. “Ele não deveria estar na socioeducação. Se fosse um adulto, estaria no complexo médico penal. Como era menor de idade, não havia um local para recebê-lo, estava ali”, comenta Paula.

Mas estar fora dos Centros de Socioeducação também pode não ser o melhor dos mundos para esse adolescente. Quando um jovem é internado, é feito um Plano Individualizado de Atendimento (PIA) para ele, que engloba diferente áreas, inclusive o atendimento psicológico. Fora dos Censes, eles passam a ser acompanhados pelos municípios e é nesse momento que muitos deixam de receber qualquer tratamento especial.

“Os que estão no cumprimento da medida privativa de liberdade são de responsabilidade do estado e acabam tendo um acompanhamento psiquiátrico. Mas os que estão em medida em meio aberto, estão sob responsabilidade do município e são encaminhados aos CAPs [Centros de Atendimento Psicossocial], que não estão preparados para receber esses meninos”, diz a promotora Danielle Cavali Tuoto, da promotoria de Defesa da Infância e da Juventude do Paraná.

A falta de pessoal preparado para tratar esse adolescente que possui transtorno mental – e, em muitos casos, vive em uma rede familiar frágil, foi vítima de abusos e está em contato com o mundo do crime – também é um problema apontado por Paula Gomide. “O diagnósticos e o tratamento desses jovens deve ser feito por especialistas, pessoas que tenham especialização para isso. Mas hoje esse trabalho é feito por pessoas leigas”, critica Paula.

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Se pessoal especializado no tratamento é coisa rara, estruturas exclusivas para o acolhimento desses meninos é inexistente, como observa Daniele. E o problema não é uma exclusividade do Paraná. A promotora conta que buscou no Brasil algum modelo de atendimento para esse grupo, mas não encontrou nada que fosse satisfatório.

Em São Paulo, devido ao clamor popular causado pelo caso Champinha – apelido de Roberto Aparecido Alves Cardoso, que em 2003, aos 16 anos, foi apontado como o principal responsável pelo violento sequestro e assassinato do casal Felipe Caffé e LianaFriedenbach–, foi criada em 2006 a Unidade Experimental de Saúde, voltada para o atendimento de menores com diagnóstico de transtorno de personalidade. Mas o local, mantido com base em um limbo da legislação, já teve sua atuação no tratamento dos adolescentes questionada. “Esse modelo é um problema porque não adianta apenas jogar o jovem lá dentro e esquecer”, afirma Daniele. Paula garante que, se há um trabalho médico bem feito e um acompanhamento na ressocialização, a maior parte dos jovens pode voltar ao convívio social em três anos.