Há pouco mais de um mês, logo que uma equipe de restauradores pôs os pés no prédio do antigo Paço Municipal de Curitiba, na Praça Generoso Marques, a sensação foi a de estar invadindo as pirâmides do Egito. O teto do hall de entrada desabou como nos melhores filmes da maldição da múmia. O incidente, de tão curioso, acabou demarcando o início daquela que deve ser uma das mais ambiciosas obras de resgate histórico já realizadas na capital. Em um ano, o edifício que em tempos idos abrigou a prefeitura de Curitiba e o Museu Paranaense deve ser devolvido à população com o nome de Paço Cultural Sesc espaço projetado para oficinas de arte-educação, teatro e exposições.
Até lá, muito reboco ainda vai cair do teto. Afinal, o que se vê ao cruzar o "hall do perigo" não é nada animador. O Paço Municipal está bastante deteriorado. Parte das avarias foram causadas nos últimos quatro anos, tempo em que a construção ficou fechada, à espera de uma definição de uso. Nesse período, esteve à mercê das chuvas e da ação impiedosa dos cupins. A cada pé d'água, as canaletas entupidas das sacadas se transformavam em verdadeira piscinas, mandando o aguaceiro prédio adentro. Estão lá as paredes embolaradas, as crateras no chão e os forros desabados para comprovar.
Para o arquiteto Marcelo de Paula Soares Paiva, 43 anos, representante do Sesc na intervenção, a infiltração foi dos males o menor. Felizmente, a estrutura do Paço Municipal não está abalada, garantia de que no prazo previsto para a entrega exatos 365 dias, a partir de 11 de junho último será cumprido e o já chamado "prédio mais bonito da cidade" voltará a funcionar. A única preocupação é com o torreão, torre da frente, cujas rachaduras são de dar medo. Algumas medidas de segurança já foram tomadas, como o escoramento das colunas do segundo andar, mas ainda não há um veredito sobre a extensão do problema.
O que não falta são estudos específicos sobre as condições do edifício, calçando engenheiros, restauradores e arquitetos. Uma parte desses levantamentos foi feita em meados da década de 70, quando os arquitetos Abrão Assad e Cyro Corrêa assinaram a primeira grande obra de restauro no Paço. Nos anos 2000, antes do estado devolver o prédio à prefeitura, novas descrições foram encomendadas. Por fim, um estudo do mesmo Cyro apurou as possibilidades de transformar a construção num Salão de Atos do município, mas a idéia não vingou, assim como a possibilidade de que abrigasse o Espaço Unibanco, voltado principalmente para cinema de arte.
Espaços
Segundo Marcelo Paiva, há poucas adaptações a serem feitas entre as duas propostas anteriores e a do espaço cultural do Sesc. Já é possível saber, inclusive, o que vai funcionar em cada sala dos elegantes 2.205 metros quadrados da construção. De todas, a melhor notícia é que o local não será tão restrito quanto um Salão de Atos nem tão limitado aos fãs de cinema de arte, como poderia ter se tornado.
O novo projeto prevê áreas para crianças fazerem oficinas, por exemplo, além de espaços para todas as artes. Não será um uso de massa o que colocaria o prédio a reboque novamente , mas vai ser utilizado o tempo todo. De acordo com mentalidade vigente entre restauradores modernos, é a receita mais acertada para manter bens históricos em bom estado. Os novos inquilinos não só sabem disso como assinaram um contrato de cessão com a prefeitura de 25 anos, tempo pelo qual o Paço Municipal já tem dono.
Para poder tomar posse, o Sesc vai investir a fábula de R$ 5 milhões , valor de entrada para fazer o edifício construído por Cândido de Abreu, nos anos 10, a mais luxuosa extensão de suas atividades em Curitiba. O investimento, aliás, vai ter de render. Não vem de leis de incentivo nem de bancos internacionais, mas dos fundos da própria instituição.
É, por sinal, a primeira vez que o Sesc se envolve no restauro de um bem cultural. E um bem cultural vigiado por todos os lados: o Paço é unidade de interesse de preservação do município de Curitiba, além de tombado pelo estado e pela União. Qualquer escorregadela dos restauradores e não vai faltar quem lhes dê um apitaço.
Quando abre?
A pressão pela reabertura do Paço Municipal é grande. "Fico impressionado com a quantidade de pessoas que nos param aqui na frente da obra, pedindo para entrar e rever o antigo Museu Paranaense", diz Paiva. Não por menos. Plantado numa zona popular da cidade bem nas cercanias da Rua Riachuelo , o museu recebia levas de estudantes, mas também de curiosos, atraídos pela escadaria suntuosa e pelo acervo de encher os olhos.
Estavam ali os uniformes e as armas do Cerco da Lapa, por exemplo. Foi, a seu tempo, o segundo espaço cultural mais visitado do estado, com cerca de 60 mil freqüências por ano, perdendo apenas para o Ecomuseu de Foz do Iguaçu. "Temos uma grande expectativa de reaver esse público", observa o arquiteto.
A força-tarefa cresce a cada dia. No momento, 33 funcionários trabalham no local metade deles ocupados das obras de restauro, sob responsabilidade da empresa especializada Emadel. De acordo com o engenheiro civil José Geraldo Canhoto, 47 anos, o número de trabalhadores deve duplicar nos próximos meses, quando chegarem as equipes de encanadores, eletricistas e instaladores de ar-condicionado. O que mais fascina qualquer visitante acidental, contudo, é flagrar os restauradores raspando paredes com espátulas, em busca de tesouros perdidos. "Há mais de uma camada de pintura escondida em cada espaço", revela o restaurador Renato Cruz, do alto de um andaime desaconselhado para doentes de labirintite.