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Saúde

Um surto de tifo que mudou o saneamento de Curitiba

Equipe de médicos de São Paulo reunidos em 1917 em uma sala na Universidade do Paraná para discutir o surto de tifo | Reprodução/Irã Dudeque
Equipe de médicos de São Paulo reunidos em 1917 em uma sala na Universidade do Paraná para discutir o surto de tifo (Foto: Reprodução/Irã Dudeque)
O traçado sanitário era desenhado nos modelos semelhantes aos canais de Santos. Trecho da Rua Fernando Moreira |

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O traçado sanitário era desenhado nos modelos semelhantes aos canais de Santos. Trecho da Rua Fernando Moreira

Um surto de tifo que matou 121 pessoas em 1917 abriu os olhos do poder público de Curitiba, que via a rede de saneamento básico viver de improvisações há mais de uma década. Com a doença, que também é transmitida pela pulga do rato, foi elaborado o primeiro plano concreto para melhorar o tratamento do esgoto na cidade.

Com a epidemia crescendo de forma avassaladora, uma comissão do Instituto Bacteriológico de São Paulo foi chamada para desvendar as causas da doença. Afinal, no ano anterior apenas 27 curitibanos haviam morrido de tifo. Havia, entretanto, um agravante em 1917: todos os doentes tinham água encanada em casa. "As pessoas naquela época preferiam não ter água encanada porque fazia mal", relata o historiador e arquiteto Irã Dudeque, autor de pesquisas sobre o assunto.

A comissão havia visitado a água dos mananciais e constatado que a qualidade era "tão boa quanto às de Santos, tidas como excelentes". Se a causa do surto não estava ligada à poluição nos rios, havia a hipótese de que a rede de distribuição de água estivesse contaminada por fossas ou esgoto mal instalados. "Foi constatado que as tubulações de água e de esgoto passavam muito perto uma da outra e que o material utilizado era ruim", salienta Dudeque.

Improviso

A conclusão foi de que a epidemia era resultado de quase uma década e meia de improvisações. "As redes de distribuição de água e de coletas de esgoto haviam sido construídas sem o cumprimento de qualquer parâmetro legal", salienta o pesquisador.

Para propor um plano de saneamento que colocasse um fim nesses problemas, o renomado engenheiro Saturnino de Brito que tinha sido responsável pelos serviços de saneamento em Santos e no Recife, foi acionado. Em 1920, ele entregou um estudo preliminar, apontando que grande parte das obras deveria ser construída novamente. No ano seguinte, ele concluiu o projeto "Saneamento de Curitiba".

Entre as propostas, estava a construção de novos canais de rede de esgoto, a implantação de um sistema de elevação elétrica e reforma das instalações domiciliares. Foram proibidos poços e fossas na área urbana de Curitiba. "É difícil prever quando que o projeto de Saturnino foi concluído. Mas ele foi realizado durante a década de 1920", explica Dudeque. O que se sabe é que nos anos seguintes, a epidemia de tifo desapareceu. "E nenhum outro surto decorrente de problemas sanitários foi registrado. O que aponta que o projeto deu certo."

AntecedentesSucessivos projetos não foram concluídos no tempo certo

O pesquisador Irã Dudeque explica que em 1904 a prefeitura de Curitiba havia contratado dois engenheiros para que projetassem e executassem uma rede de água e esgoto. O objetivo seria distribuir, diariamente, 10 milhões de litros de água potável, o que corresponderia a um suprimento diário de 200 litros por habitante para uma população urbana de 50 mil habitantes.

"As águas viriam da serra do Mar. Porém, os trabalhos previstos não foram concluídos no prazo, em 1906, e depois de várias prorrogações, os engenheiros abandonaram as obras e o contrato caducou", explica o pesquisador.

Em 1907, foi assinado o contrato com Empresa Paulista de Melhoramentos no Paraná, que se obrigava a concluir e conservar os serviços de água e esgoto. A rede a ser construída era menor e o volume de água por habitante baixava de 200 para 150 litros diários. Mas, o contrato era tão vantajoso para os concessionários que não previa sequer a obrigação de melhorar o serviço. Só no início de 1917, o governo encampou um rol de melhorias por 3 mil contos de réis.

"Os acionistas da empresa aceitaram, meio a contragosto, e receberam títulos do estado como pagamento. Apesar do alarde inicial, a 1ª Guerra Mundial impediu que os serviços fossem melhorados, pois não havia materiais de construção disponíveis no comércio e as importações estavam impossibilitadas", lembra Dudeque. Em meio a essa paralisia no setor de saneamento, a febre tifóide se expandiu de uma maneira alarmante.

Serviço:

Saiba mais sobre o assunto no livro "Nenhum dia sem uma linha" e no artigo "Um urbanista nos tempos do tifo", ambos de Irã Dudeque.

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