Contrapartida
Uma comunidade em dívida social
A colaboração com a comunidade, por meio de projetos sociais, nunca entrou no rol de intenções do Porto de Paranaguá. Apesar de já ter patrocinado projetos como o Vaca Mecânica (distribuição de leite de soja) e a Festa do Rocio, o estabelecimento informava que o convênio nº 37/201, firmado entre a Administração dos Portos de Antonina e Paranaguá (Appa) e Ministério dos Transportes, impedia a destinação de verbas com esse fim. O Porto de Santos, por outro lado, investe nas áreas social e cultural por meio de seu instituto.
De acordo com o superintendente do Porto de Paranaguá, Mario Lobo Filho, existe a pretensão de apoiar essas iniciativas. O novo posicionamento se deve a diferentes formas de interpretar o texto do convênio. Para a Secretaria de Portos, os recursos deveriam, em tese, ser aplicados no próprio estabelecimento. Desde o Decreto 6.620/08, houve uma mudança de conceitos. Em Santos, o porto investe em revitalização portuária, o que reflete diretamente na integração social do município.
Na avaliação de Lobo filho, a atual natureza jurídica da empresa dificulta os investimentos. "O fato de sermos uma autarquia dificulta isso. Por isso, seria muito útil a transformação para empresa de economia mista, por exemplo", opina Lobo Filho. O presidente da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Paranaguá, Alessandro Pires Staniscia, afirma que os prejuízos urbanísticos, ambientais e sociais não compensam a instalação de um porto em uma cidade. "O porto traz emprego, mas o lucro é encaminhado para as matrizes, sem deixar vestígios, muitas vezes", diz.
Na avaliação do padre Carlimar Gonçalves Holanda, da Associação Casa da Acolhida/Pastoral Rodoviária, a miséria encontrada em alguns pontos poderia ser menor, se o porto deixasse de pensar apenas no lucro. "Poderia ajudar muito mais a cidade e a população. Em sua forma atual, é mais prejudicial que benéfico", diz. (VB)
Cidade vive impasse na preservação ambiental
Em 9 de julho, o Porto de Paranaguá foi interditado por não cumprir as obrigações com o Ibama. Uma das exigências do instituto foi a elaboração de estudos, como relatório e plano de controle ambiental para os portos de Antonina e Paranaguá, além de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) da dragagem de aprofundamento. O custo de todos os estudos é estimado em R$ 1,5 milhão, mas a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Paraná (Aciap), em parceria com o Sindicato dos Operadores Portuários e Sindicato das Agências de Navegação do Paraná, levantou os recursos.
Os estudos estão em andamento e devem ser concluídos o mais breve possível. O presidente da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Paranaguá (Aciap), Yahia Hamud, afirma que o apoio foi apolítico e nasceu de uma necessidade. "Os maiores prejudicados seriam da iniciativa privada. Por isso, a comunidade empresarial entendeu, embora sob protestos, que era melhor pagar e ter o direito de explorar a correr o risco de perder a possibilidade de explorar a atividade econômica", afirma. A falta de licenciamento ambiental denota a dificuldade dos portos brasileiros em respeitar a legislação. Em geral, o interesse econômico se sobrepõe ao ambiental. (VB)
Paranaguá vive à margem de seu porto, o principal gerador de empregos, atrativo para empresas e municiador do comércio local. Ao longo dos anos, o estabelecimento integrou a paisagem e redefiniu as funções da cidade. Hoje, o município depende do movimento do porto para sobreviver. Apesar da importância, o diálogo entre as partes ocorreu em raras ocasiões, causando enormes prejuízos. Por cinco anos, o porto não pagou cerca de R$ 4 milhões anuais em ISS (Imposto sobre Serviço), valor que corresponde a 2% da arrecadação. Em uma cidade carente, o dinheiro poderia ter sido investido em áreas essenciais, como educação, saúde, urbanismo.
Na sexta-feira passada, o porto pagou à prefeitura a parcela de R$ 250 mil do ISS, referente ao mês de julho. Agora, promete encontrar meio de pagar o restante da dívida. Apesar do "calote", a economia é o setor mais beneficiado pela presença do porto. Perto de 11 mil dos 140 mil habitantes atuam no estabelecimento, além da geração de empregos indiretos. "Quando o Porto reduz sua atividade, os impactos são enormes. Paranaguá não tem outras vocações", explica o prefeito do município, José Baka Filho. Poucos se atrevem a imaginar a cidade sem o porto. Os prejuízos, por outro lado, vão da exploração sexual de jovens aos danos ambientais (leia nesta página).
Parte da explicação para isso está na falta de diálogo entre prefeitura e porto. Problemas simples, como um buraco na rua, demoram a ser solucionados em razão da discussão sobre quem é o responsável. A comerciante Maria das Graças Constantino da Silva, de 61 anos, vive com medo: há enormes buracos em frente de sua casa e ela teme atropelamentos e acidentes. "Morar aqui não é fácil. Você se sente desprezado", conta. A comerciante já procurou prefeitura e porto, mas as falhas do asfalto permanecem depois de cinco meses. A ela, o porto informou não ser responsável, enquanto a prefeitura diz que o problema se deve à passagem constante de caminhões.
Nem tudo, contudo, é simples como um buraco quando se requer a ação das duas entidades. Renato Francisco da Silva, presidente da Associação de Moradores da Vila Becker, diz que não houve consenso nem mesmo em projetos que podem beneficiar ambas as partes, como os investimentos em turismo. O próprio superintendente do porto, Mario Lobo Filho, assume a dificuldade: "Sempre houve zona de conflito mais ou menos intensa, dependendo do contexto político. É uma questão histórica". No momento, ensaia-se uma aproximação.
Mesmo com o avanço, algumas questões que necessitam de ação conjunta continuam sem soluções. A Vila Becker é exemplo: um bairro com 400 famílias localizado ao lado do Terminal de Álcool, empreendimento que sofreu com vazamentos desde sua inauguração, em 2007. Há um ano, o álcool tomou conta da vila, levando à interdição a posição só foi revista após a execução de obras de segurança. A área de risco onde a comunidade está instalada foi "urbanizada": existe água e luz. Os moradores aguardam a relocação, mas, até o momento, nada saiu do papel. Fica a impressão de que o porto é bom para os investidores, mas péssimo para a sociedade.
Rotina diária de exploração sexual
A exploração sexual de jovens é realidade de Paranaguá. O porto não é responsável direto, mas, se não estivesse instalado no município, boa parte dos meninos e meninas não seguiria essa rota. O movimento incessante de trabalhadores portuários dificulta o combate ao aliciamento. Por mais que se tente, orientar caminhoneiros, estivadores e outros profissionais "consumidores" do negócio não surte efeito desejado.
Durante a noite, encontrar crianças em situação de risco é simples e, mesmo durante o dia, o problema é evidente. Uma das consequências está na elevada incidência de contaminação pelo vírus da aids: a cada grupo de 100 mil, 30 apresentam a doença, índice seis vezes maior que a média nacional.
Um mapeamento realizado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e pela Organização Internacional do Trabalho (OTI) identificou 1.819 pontos em rodovias vulneráveis à exploração sexual. No Paraná, foram encontrados 106 espaços propícios, sendo que todos os caminhos envolvem rotas para o porto. Desde 2006, a ONG Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência (Ciranda) promove no município o trabalho "Navegando nos Direitos", com o apoio da Rede Marista de Solidariedade.
A iniciativa atua em três eixos: mobilização da sociedade para enfrentar a exploração, articulação de rede de proteção na comunidade e ações de prevenção com adolescentes, por meio da educomunicação. Para o gestor da Ciranda, o jornalista Douglas Moreira, o processo já apresentou resultados. "No início, o assunto era tabu. Agora, a cidade discute a exploração sexual, especialmente as escolas que receberam o projeto", relata.
Na avaliação de um dos coordenadores da Associação Casa da Acolhida/Pastoral Rodoviária, padre Carlimar Gonçalves Holanda, a falta de incentivo do porto e do empresariado local inibe a disseminação de trabalhos sociais que batalham contra a exploração sexual. "Paranaguá é uma cidade muito carente. Por isso, nossas crianças são presas fáceis", diz.
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