O intelectual francês Olivier Mongin, 62 anos, é um estranho no ninho. Sua obra mais conhecida, A condição urbana, lançada no Brasil em 2009, se tornou uma referência no estudo das cidades, um território dominado por arquitetos e urbanistas do quilate de Bernardo Secchi. Falar do dia a dia lhe basta para promover pequenas revoluções, provocando no seu público o desejo de "experimentar a cidade", seja ela qual for.
Semana passada, Mongin esteve em Curitiba a convite da Aliança Francesa, UFPR e prefeitura de Curitiba. A capital paranaense não lhe era estranha. Falou com fluência do transporte coletivo e da atenção que os estudiosos de seu país dedicam a esse lugar que vê como "diferente". Talvez um laboratório do que as urbes possam se tornar. Talvez. "Não há receitas. Não há respostas", disse em entrevista à Gazeta do Povo. Para ele, as cidades que vão vencer não serão as de arquitetura mais bela, mas as mais conectadas, que preservem um olhar sobre si e consigam ser democráticas, "apesar da velocidade que nos atropela". Confira trechos da conversa.
No livro A condição urbana, o senhor diz que os "pequenos lugares" de uma cidade podem salvá-las de se tornar uma selva. Por quê?
Os pequenos espaços são mais interessantes que os grandes. São a cidade invisível. O que ali acontece pode ajudar a entender o significado de um espaço urbano. Mas é difícil. As cidades estão sempre em competição, impedindo de ver o essencial. A alma da cidade não está no cartão postal. Se você não é capaz de imaginar coisas sobre o lugar onde vive, ele simplesmente não existe. Vou dar um exemplo caricatural. No livro A cidade que atravessou o Atlântico, [Laurent] Vidal fala de Mazagão, um lugar que existiu no Marrocos. No século 17, os portugueses retiraram todas as pessoas que viviam lá. Mandaram-nas para Lisboa e para a Amazônia. Mas a cidade abandonada continuou a existir no local onde seus moradores passaram a viver. Estava na cabeça deles. Era o que bastava.
A figura do flâneur, aquele que anda pela cidade, descobrindo-a, ainda faz algum sentido?
Os habitantes da Paris do século 19 faziam o passeio a pé. Hoje não é mais possível. Todos vivem na cidade espraiada. Não há mais unidade urbana e a urbanização é sem limite. Há tantos locais que fica difícil dizer se há um único imaginário capaz de dar conta da cidade contemporânea. Não vivemos mais a cidade do poeta, como foi a Paris de Baudelaire, mas a do cineasta. A urbe é de quem usa instrumentos mais rápidos para registrá-la. Mas, em resumo, não importa a melhor cidade é a que conseguimos entender. Inclusive andando a pé...
Qual a questão mais importante do debate urbano?
A mobilidade. Mas quem organiza o território onde circulamos não é mais a indústria, mas os portos e aeroportos, os hubs. Ali é que se administra a conexão. Quem não está conectado não se move. A conexão é o novo espaço público. A revolução tecnológica se tornou mais importante que a revolução industrial. Não me interessa se o problema da cidade é da arquitetura ou da antropologia. Não importa tanto a qualidade da arquitetura, mas se a cidade é acessível aos habitantes, tornando viável a experiência urbana. Minha tese é a de que a experiência urbana passa pelo corpo, pelo cenário e pelo espaço público.
Em Curitiba, iniciou-se uma campanha para conter a pichação. Os sprays dão sensação de insegurança, é um fato. Mas são uma expressão da vida urbana. Como lidar com esse fenômeno?
Essa é uma questão para a democracia, não para o urbanismo. Mas temos de assumir que a cidade clássica acabou. Em seu lugar está a cidade fragmentada. Diria que um debate desses depende do espírito de cada lugar, de como lida com a livre expressão. Conflitos dessa monta se resolvem pensando num espaço comum, no qual é possível haver discordâncias. O espaço urbano é por natureza um espaço de conflito, mas sem se matar [risos]. Ou fazemos a cidade democrática ou faremos novamente a guerra. No mais, há a cidade limpa e a não limpa. Você invocou o flâneur de Baudelaire. É importante buscar não só o que nos parece direitinho, limpinho. Há muitas formas de gostar de um lugar.
Que modelo vai vencer, Singapura ou Paris?
No momento, Singapura. E não é necessariamente um modelo ruim. Como permaneço um democrata, digo que vai ganhar a cidade que for mais democrática. No Brasil, citaria Porto Alegre, onde as pessoas deliberam, discutem, praticam o princípio da Ágora grega. O problema principal é como a democracia vai se desenvolver em meio à busca frenética por alta tecnologia. Em 1934, quando Lévi-Strauss esteve no Brasil, viu vacas nas ruas de São Paulo e disse: "Atenção, isso vai muito mudar muito rápido..." A velocidade é decisiva para as transformações. Na Europa, as cidades estão desgastadas. Viraram museu. Aqui, ao contrário, tudo muda muito rápido. Será que o modelo de vocês será sustentável? Essa é a questão.
Voltaremos às pequenas cidades?
Há exemplos, claro. Fala-se em Vancouver e Seattle, não tão pequenas. Ou em cidades pequenas instaladas num contexto metropolitano. Mas está tudo globalizado, ninguém pode se isolar. Uma discussão que se coloca é se poderíamos desacelerar o fluxo urbano. Cidades pequenas? Consegue-se esse mesmo movimento com a presença de estudantes. Não esqueçamos que as cidades europeias foram criadas em torno das universidades. E que cidades como Bogotá estão se reordenando em torno do conhecimento, da solidariedade e do bom uso do tempo.