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Infância

Uma em cada 4 crianças não tem o nome do pai

Célia Apolinário diz que a auto-estima da filha, Ana Carolina, de 12 anos, melhorou depois que o pai atou laços com a menina há quatro anos | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Célia Apolinário diz que a auto-estima da filha, Ana Carolina, de 12 anos, melhorou depois que o pai atou laços com a menina há quatro anos (Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)

Uma em cada quatro crianças brasileiras não tem o nome paterno no registro de nascimento. A estimativa é da socióloga Ana Liése Thurler, autora da tese de doutorado Paternidade e Deserção: Crianças sem Reconhecimento, Maternidades Penalizadas pelo Sexismo, pela Universidade de Brasília (UnB), em 2004. Segundo a socióloga, que atualizou os dados para o período entre 2000 e 2006, o número de crianças registradas apenas com o nome da mãe equivaleria à população da cidade do Rio de Janeiro: 6,2 milhões.

Ou seja, 25% do total de 25,1 milhões de crianças nascidas nesse período não têm documentada a origem paterna. Uma média de 885 mil por ano. Comparado com países desenvolvidos, como a França, onde a taxa é de 2%, o porcentual brasileiro de registros sem o nome paterno chega a ser 12,5 vezes maior.

Conforme ressalta a pesquisadora, o reconhecimento paterno é um direito garantido não só à criança, mas também à mãe. "O reconhecimento não é favor algum do pai, já que a Constituição garante que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Além disso, o não reconhecimento é rejeição, abandono, indiferença, descuido e desproteção em relação à criança", enfatiza Ana Liése. A socióloga ainda reforça que o não reconhecimento paterno também tem um forte impacto na vida das mulheres. "Essas mães são obrigadas a criar seus filhos sozinhas, arcando com responsabilidades afetivas, educacionais e materiais."

Ana Liése comenta ainda que a criança que não sabe quem é o pai tende a ser mais fragilizada emocionalmente. É o que aconteceu com a menina Ana Carolina Apolinário, de 12 anos, até que o pai a assumisse — a mãe nunca escondeu a identidade do pai para a menina. "Antes ela era triste, perguntava por que as amigas tinham pai e ela não. Ela chegou até a fazer tratamento para depressão por causa disso", relata a mãe, a encarregada de limpeza Célia Apolinário, 30. Tudo muito diferente de hoje.

Por decisão própria, o pai atou laços com a menina há quatro anos. Desde então, visita Ana Carolina todos os meses e repassa à mãe um valor mensal para ajudar nos gastos da menina. Além disso, o processo para que Ana Carolina tenha o sobrenome paterno está na Justiça. "Hoje minha filha é outra. Está mais alegre, contente. Já está até assinando o sobrenome do pai", comenta Célia.

Curitiba

Em Curitiba, 8% dos registros de nascimento não têm o nome do pai. São 2,2 mil registros por ano nessas condições. O levantamento é do Ministério Público (MP), que afirma que a média tem se mantido estável nos últimos anos.

A promotora de Justiça Swami Mougenot Bonfim, da Promotoria de Justiça das Comunidades, afirma que a decisão de cuidar da criança sozinha, muito comum entre mães cujos companheiros não querem assumir o filho, não é a correta. "Por orgulho, a mulher considera uma humilhação ir atrás do pai de seu filho. Mas ela tem que saber que, se não pode exigir uma relação afetiva do pai com a criança, pode exigir os cumprimentos dos direitos constitucionais da criança, como pagamento de pensão alimentícia ou direito à herança", enfatiza.

Swani ressalta ainda que se o companheiro se negar a registrar a criança, a mãe deve procurar o quanto antes o Ministério Público. "Quanto mais tempo demorar, maiores são as chances de provas, como cartas e fotos, se perderem e de testemunhas não serem encontradas, já que as pessoas podem mudar de endereço ou mesmo morrer", argumenta.

Foi o que fez Maristela de Souza Cabianca, de 42 anos (ler relato ao lado). Ao saber que o pai de seu filho Matheus, 1, não só não aceitou a gravidez como ainda mudara de cidade sem avisá-la, ela passou a guardar provas para garantir os direitos do menino. "Guardei mensagens do meu ex-companheiro gravadas em meu celular para provar que tivemos um relacionamento estável, que durou oito meses", relata.

As mensagens entraram como provas no processo de reconhecimento de paternidade movido pelo MP. Há cerca de um mês, o exame de DNA solicitado pela Justiça comprovou a paternidade. "Agora espero ter uma ajuda financeira na criação do meu filho, já que, só de remédios (o menino sofre de uma doença no coração) são R$ 350 por mês", aponta Maristela.

No caso de crianças portadoras de deficiência, como Matheus, portador de síndrome de Down, o índice de pais que não registram a criança em Curitiba sobe para 14,27%. Conforme levantamento da promotoria de 2006, das 1.044 crianças matriculadas nas escolas especiais municipais, 149 estavam nessa situação.

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Serviço

Mães que queiram que o nome do pai conste no registro de nascimento do filho podem procurar a Promotoria de Justiça das Comunidades, de segunda a sexta-feira, no prédio do Ministério Público, na Avenida Iguaçu, 470, no Rebouças, em Curitiba. O primeiro atendimento dos casos é feito das 8h30 às 9h30 e das 13 horas às 14h30.

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