Professor que não reprova ninguém
Paulo Ross, 43 anos, é um daqueles educadores cuja fala deixa alunos nas nuvens e professores em pânico. Ele promove um ataque terrorista às zonas de conforto. Seu discurso, digamos, "idealista", é perfeito para despertar tanto a admiração quanto o rancor. Nunca lhe falta um interlocutor com quatro pedras na mão, desafiando: "Quero ver você aplicar isso numa sala de aula."
Deficiente visual, passou duras penas na escola até se tornar doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Paraná. Durante essa jornada feita de pedra, formou algumas convicções inabaláveis uma delas, a de que a reprovação é um erro. E que deve ser cortada pela raiz, sob o risco de a escola se tornar autoritária e tirânica.
"A escola tem dificuldade de perceber qualidades nos alunos. Quer que todo mundo seja igual. Quando isso não acontece, reprova, transferindo para o educando um problema que não é dele", analisa Paulo, em meio a uma ferrenha defesa da educação cooperativa a qual chama de saída para todos os males que assolam o ensino.
É simples: a tarefa do professor é acima de tudo promover o encontro entre os alunos, como exercícios em dupla, leituras em grupo, longas conversas, aniquilando de vez qualquer sombra de competição. Outro trunfo é a avaliação, cujo processo jamais deve ser superficial, numérico ou pretender que todos alcancem o mesmo objetivo.
Impossível? Paulo é a prova de que não. Embora não tenha se debruçado cientificamente sobre a própria história, reconhece que aprendeu muito sobre educação sempre que teve de pedir o auxílio dos olhos de alguém. Hoje, faz da cooperação uma espécie de bandeira educacional, principalmente porque lhe parece o caminho mais seguro para chegar a uma das finalidades últimas do ensino: a tolerância à diversidade.
O que você faria se bombasse?
A palavra reprovação provoca calafrios nas crianças e adolescentes. Diante dela, a primeira imagem é quase sempre a da chatice de ter de repetir todos os contéudos no ano seguinte, perder-se da turma de origem, mas principalmente enfrentar a pressão doméstica. Para quem já viveu a experiência, a retenção é tudo isso e um pouco mais: trata-se de um atentado à auto-estima, atentado que na maioria dos casos pode ser evitado com um plano escolar de atendimento.
Em conversa com escolares, difícil encontrar quem não conheça um repetente. Ou quem não tenha "tirado uma fina" no boletim. "Vim de uma escola estadual que era muito difícil. Passei aperto. Aqui é mais tranqüilo, mas acho que aprendo mais", comenta Ana Karoline de Lima, 12 anos, aluna do quarto ano do sistema de ciclos o equivalente à sétima série na Escola Municipal Erasmo Pilotto, no Atuba. A escola é a única do município a adotar o programa também da quinta à oitava série.
Alexandre Ball, 13, colega de classe, não se sente tão seguro. Seu pequeno histórico escolar inclui sustos em Ciências e Matemática. Como estava na primeira fase de um ciclo, teve a chance de se recuperar no ano seguinte. Algo parecido acontece com Jonathan Gadeski, 12, numa atividade que lhe exigiu o resumo de 12 livros. "Não fui bem em todos, mas me recuperei depois." É justo ou não é?
Para a pedagoga Vilma Santos Costa, 43, esse tempo a mais de tolerância tem um efeito benéfico sobre as crianças e adolescentes. Às vezes, dois meses a mais são o suficiente para entrar nos trilhos. (JCF)
Casos de repetência e evasão chegam ao Conselho Tutelar
No mês de agosto, os cinco conselheiros tutelares do Cajuru fizeram 1.588 atendimentos, cerca de 300 por cabeça, uma boa parte dizendo respeito à drogadição. Com folga, é o maior problema da área do tamanho de uma cidade: são 230 mil pessoas. Mas não o único. Pais também costumam procurar o conselho para reclamar dos maustratos verbais sofridos por seus filhos nas 21 escolas municipais e 22 estaduais da regional. É um círculo vicioso: sem vínculo com o colégio e distante dos professores, alunos principalmente adolescentes tendem ao abandono e à repetência.
No final do ano passado, a estudante Stephani Falkevicz, 12 anos, aluna da Escola Municipal Erasmo Pilotto, no Atuba, decidiu pregar uma peça nos seus pais. Emocionada ao saber que tinha passado de ano, ligou para casa, aos prantos, dizendo ter sido reprovada. A reação foi a esperada uma família toda à beira de um abismo. "Aproveitei que estava chorando de felicidade para saber como eles iam reagir", diverte-se a garota com a traquinagem.
Os colegas de classe de Stephani não chegaram a tanto, mas são capazes de imaginar cada palavra que ouviriam em casa caso reprovassem. São ameaças do tipo "você agora terá de trabalhar para comprar seus cadernos" ou "vai apanhar e ficar de castigo." Pode não ser muito recomendável do ponto de vista pedagógico, mas a ira dos pais tem lá suas virtudes mostra que eles ainda se preocupam com o desempenho escolar dos filhos.
Nem sempre é o que acontece. "A gente sente o descaso de muitas famílias na hora de pegar as crianças na escola. Tem quem se esqueça de vir buscá-los na saída. Que dirá no resto", lamenta a diretora da Escola Erasmo Piloto, Janete Luiza Araújo, 37 anos. Em uníssono com outras tantas educadoras e conselheiros tutelares ouvidos pela reportagem, a diretora entende que o drama da reprovação passa pela escola, onde a cultura da repetência criou raízes, mas também pelo pouco caso dos pais com os estudos.
O resultado dessa dobradinha é de tamanha monta que o Brasil já cria musgo entre os campeões do fracasso escolar, na companhia do Gabão e do Nepal. De acordo com Censo de Educação Básica 2006, a repetência chega a 13% no ensino fundamental e a 11,5% no ensino médio. No Sul, chega a 13,9%, e 14,5%, respectivamente, as maiores média de reprovação nacional. Aparentemente modestos, os números de reprovação tornam-se monstruosos ao se somar ano após ano. É quando se descobre que a escola, de espaço de ensino, transforma-se em área de exclusão para até metade dos que passam por seus portões.
Basta lembrar que, de acordo com o mesmo censo, dos 33,3 milhões de matriculados no fundamental, menos da metade 8,9 milhões vai chegar ao ensino médio. Um funil dessa bitola só pede uma coisa: medidas urgentes para conter a repetência e o estrago que causa na auto-estima dos alunos. Seria injusto, contudo, dizer que a escola está vendo a banda passar. Desde o início da década de 90 o debate sobre a repetência galopante do Brasil monopoliza o debate educacional.
Um dos remédios encontrados por muitos municípios foi substituir o tradicional sistema de divisão em séries pelo de ciclos. Em Curitiba, o sistema foi adotado em 1999, mas surgiu nas escolas do estado em 1988. Hoje, a retenção nas 171 escolas do município está na casa dos 3,81%, mas pode chegar a 6% em regiões mais pobres da capital. Pelo sistema de ciclos, o educando tem até dois anos por etapa para responder aos programas de aprendizagem. A repetência, caso seja necessária, passa pela análise de um conselho.
Antibomba
As medidas saneadoras não param por aí. Um dos alvos é a malfadada 5.ª série, na qual as probabilidade de repetência se multiplicam, chegando a 16,5%. Motivos não faltam: a 5.ª coincide com a entrada na puberdade, com a troca de escola, com a profusão de até oito professores na grade, cada um com uma disciplina e desenvolvendo poucos vínculos com os alunos. Eles estranham e, como se sabe, chegam a reprovar.
Para evitar a já chamada "bomba", a Secretaria de Estado da Educação (Seed) editou uma espécie de cartilha em oito volumes e distribuiu nas escolas municipais justo as que ficam com a criança de 1.ª a 4.ª. Ali, listou-se os conteúdos essenciais para se chegar à 5.ª série. A unificação recém-implantada pode ajudar a desmontar a arapuca montada a cada vez que se troca de escola.
No município de Curitiba, a operação 5.ª série inclui o sistema de co-regência o acréscimo de um professor em sala para acompanhar na leitura e nas operações básicas.
Mas que não se espere encontrar ninguém batendo palminhas, achando ter encontrado o caminho das nuvens. Não é raro cruzar com quem diga faltar queimar muita lenha até que se derrote o monstro da repetência.
É o caso da educadora Nara Salamunes, 45, diretora do Departamento de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação. Mesmo comemorando taxas de repetência baixas para os padrões nacionais, na casa dos 3,81%, ela entende que se pode minorar o drama da repetência e do abandono, mas ainda resta o desempenho sofrível dos que passam. "A média do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) ainda é baixa. Chegamos a 50% do que se esperava. Precisamos que saia do segundo ciclo lendo e tirando informações implícitas", alerta, sobre o cânion que ainda separa o ensino dos resultados.
Nas escolas do estado, a sirene já tocou. Dos 2,1 mil colégios da rede paranaense, 10%, 210, integram de um programa emergencial de recuperação. Os estabelecimentos foram identificados pelos índices de reprovação, distorção idade/série, principalmente depois que os resultados da Prova Brasil deixaram o boletim de alguns colégios no vermelho. "Há escolas que chegam a 30% de evasão/reprovação. São cerca de oito em Curitiba, mas a concentração é maior em cidades com baixos Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), explica a educadora Yvelise Arco-Verde, superintendente de Educação da Seed.
Yvelise prefere não divulgar a identidade das escolas para não expor as crianças e professores. Mas adianta que o arrastão vai incluir criação de contraturnos, programas especiais de gestão, impulso à prática de esportes e aos cursos de língua estrangeira. "A criança com dificuldade de aprendizagem não está prevista nos manuais didáticos. O sistema ainda é seletivo. A escola ainda reproduz a exclusão da sociedade", finaliza como num manifesto à moda antiga. Eles ainda são necessários.
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