Há 70 anos, o Brasil se preparava para mandar 25 mil militares para a 2.ª Guerra Mundial. O combate, que ocorreu em solo italiano contra o exército nazista, durou 239 dias. Do Paraná saíram 1.542 combatentes, dos quais 28 morreram. No terceiro e último dia da série "Senhores do Front", confira as histórias dos expedicionários paranaenses Jair Miranda e Eronides João da Cruz.
Sobrevivente na vida e no campo de batalha
A 2.ª Guerra Mundial não foi o maior desafio para Jair Miranda, 90 anos. Ele perdeu a mãe aos 4 anos de idade e tinha malária. O pai, que morava em Paranaguá, não esperava que o garoto fosse se recuperar e o deixou morando com uma tia em Ponta Grossa. O menino não só melhorou como também ficou sem nenhuma sequela. Beirando à aposentadoria, o pracinha descobriu um tumor no cérebro, que foi extinto numa operação.
Um tubo esquecido na sua cabeça, no entanto, o fez retornar ao centro cirúrgico. Depois de seis horas de cirurgia, o problema estava sanado. Nada que tenha desanimado Jair, que aparenta ter bem menos idade.
O tumor no cérebro foi diagnosticado após fortes dores na cabeça e a perda da visão do olho esquerdo. "O médico me disse: de 100 fica um. Esse um fui eu", ri o ex-combatente. Hoje, ele não toma nenhum medicamento.
Aos 21 anos, Jair embarcou para a Itália. A viagem 15 dias no navio norte-americano com 5 mil homens a bordo não foi um problema. "O navio ia de lá para cá e os soldados só vomitando. Eu caçoava enquanto comia na frente deles", lembra.
Em combate, Jair era mensageiro, ou seja, operava o telefone e transmitia as informações de guerra ao comando. Por isso, estava sempre na companhia dos comandantes. Quase no final do confronto, foi designado para a linha de frente.
O pelotão estava numa casa desocupada pelos italianos devido aos ataques dos soldados alemães. Uma granada atingiu um colega que estava em sua frente. Jair só teve tempo de arrastar o amigo para dentro da casa abandonada para evitar novos ferimentos. Terminada a guerra, soube que o companheiro ferido foi para os EUA colocar uma perna mecânica.
Quando voltou ao Brasil, o ex-combatente trabalhou como carvoeiro na oficina da extinta Rede Ferroviária, em Ponta Grossa, mas não gostou do serviço. As cicatrizes de queimaduras nas mãos ainda servem de lembrança da função.
Pediu demissão, mas pouco tempo depois voltou à Rede. "Me puseram no almoxarifado da oficina da Rede. De lá só saí aposentado", relata.
Jair diz que a vivência na guerra não mudou seu jeito de ser. "Fui toda vida calmo e ruim, quando era preciso. O que um homem tem que passar, o outro não pode passar por ele", afirma.
Do mar para os céus da Itália
No intervalo de uma palestra sobre a Força Expedicionária Brasileira (FEB) numa escola no interior do Paraná, um garoto olha assustado para o pracinha Eronides João da Cruz, 91 anos. "Você foi pra guerra? E não morreu?", perguntou. O ex-combatente não perdeu a piada: "Morri, mas já estou na terceira reencarnação", disparou, rindo dos olhos arregalados do menino.
Eronides nasceu em 1922 em Aracaju (SE), e sua mãe morreu quando ele ainda era criança. Ele, os cinco irmãos e o pai se mudaram para Santos (SP). O pai trabalhava no porto e Eronides passou a infância acostumado com o vaivém dos navios. Tão logo aprendeu a ler, escrever e fazer contas, foi convocado pelo seu pai para o trabalho. Era preciso ajudar na criação dos irmãos menores. Mas a rotina do mar não lhe atraía. Aos 21 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se alistou na Escola da Aeronáutica, em Campo dos Afonsos.
O alistamento coincidiu com o período do torpedeamento de navios brasileiros pelos alemães. Segundo registro no Museu do Expedicionário, em Curitiba, 32 navios mercantes foram afundados entre março de 1941 e outubro de 1943, na Costa Brasileira, deixando 972 brasileiros mortos ou desaparecidos.
Com a entrada do Brasil na 2.ª Guerra Mundial, a Costa Brasileira passou a ser patrulhada pela Força Aérea. A estrutura bélica era deficitária e os brasileiros inexperientes para pilotar aviões de caça. Eronides e seu grupo partiram para um curso intensivo no Panamá, na América Central, com pilotos dos Estados Unidos. O idioma foi a primeira barreira. "A maioria não sabia dizer nem água em inglês. Já pensou aprender coisa técnica em aviação? Mas nós tiramos de letra", comenta.
Ao ataque
Preparados, cerca de 500 brasileiros embarcaram de uma base na Virgínia (EUA) para a Itália. Eronides era técnico de armamento, ou seja, armava os aviões para o combate. Sabia na ponta da língua a missão da Força Aérea: atacar as bases do inimigo. "Nós atacávamos tudo que se mexia no chão", disse.
Os alvos eram direcionados aos militares alemães, mas muitos civis italianos morreram. "Não tinha batalha aérea. Nós atacávamos estação de trem, prédios e comboio rodoviário", relata Eronides.