Um dos primeiros símbolos da rivalidade entre "polacos" e "ucraínos" do Paraná está ameaçado. A Igreja de São Miguel Arcanjo da cidade de Mallet, na Região Sul do estado, construída há cerca de 100 anos com madeira local, necessita de uma restauração urgente sob pena de ter sua estrutura condenada. O paradoxo é que o mais antigo exemplar de arquitetura ucraniana corre o risco de ruir, enquanto que uma réplica, erguida no Parque Tingüi, em Curitiba, apesar de também precisar de reparos, está firme e forte.
Os principais problemas da igreja original não estão expostos. A estrutura nunca foi mexida. Os morcegos encontraram o ninho ideal dentro das paredes triplas. A umidade das fezes está estufando a madeira. Além do cheiro nada agradável para quem está tentando se abstrair para conversar com Deus. Durante as missas noturnas, eles também participam com o farfalhar de suas asas. As marcas dos cupins também estão por toda parte. O principal receio é de que as vigas estejam comprometidas.
No telhado, líquens fizeram morada. Várias fases de acabamento se sucederam, resultando em luxos como sarrafo e forro. Externamente é revestida de mata-junta e do lado interno, de lambril. A última pintura foi feira em 1964, e tingiu em tons de azul, verde, dourado, marrom e vermelho o interior da igreja com desenhos delicados, que vão até o teto. O assoalho de tábua corrida é bem amarelo. Do lado de fora, em volta, há banquinhos protegidos por um telhado baixo, de dois metros de altura.
Sacrifício
Nikon Zalutzki, 86 anos, mora em uma dessas casas construídas com telhado para resistir à neve que nunca veio. Ele já faz parte da arquitetura do lugar. Recebe curiosos e visitantes esboçando descrédito e ar rabugento. "Só falam, falam e ninguém faz nada para salvar a igreja", dispara. A comunidade reclama que antes do tombamento histórico, em 1982, mal ou bem, dava-se um jeito de mantê-la arrumada. Desde então, nada foi feito.
Nikon pisou a última vez na igreja na Sexta-Feira Maior. "Dá medo", diz. O filho Aristides ainda complementa: "pode dar uma desgraceira total". Aristides, uma prova das possibilidades inesgotáveis de conciliação, é metade polonês, metade ucraniano. Ele lembra que as pessoas moravam em casas simples e que pouco faziam para uso próprio. Tudo era destinado para a paróquia. "Foi feita com muito sacrifício". Aliás, essa foi a marca mais profunda que a igrejinha deixou na comunidade. Foi construída com doações e exigências. A avó de Laura Mudrek, 41 anos, contava que até para se confessar era preciso trazer um pedaço de madeira. A penitência era paga em vigas. "Se uma criança já podia caminhar, tinha de levar um cavaco junto. E eram quilômetros e quilômetros andando", completa Zalutzki.
A igreja pode ser visitada somente aos sábados e domingos e o acesso é fácil, com um trecho curto de estrada de chão em condições trafegáveis. Um aviso aos fiéis-turistas: lá, as missas ainda são celebradas com o padre de costas para os fiéis e os homens sentados no lado de São Nicolau, à direita de quem entra, e as mulheres no lado de Nossa Senhora.
Uma tentativa de restauração está nas mãos da arquiteta Jussara Valentini, do Instituto Arquibrasil, de Curitiba. Ela, que já pesquisa cúpulas ucranianas com financiamento da Fundação Petrobras, vai apresentar na próxima semana um projeto de restauro por vias da Lei de Incentivo Cultural. Jussara destaca o primor da obra e acredita que as constantes mudanças no prédio original foram muito bem incorporadas ao edifício. Certeza mesmo só de que a estrutura, as esquadrias e parte da cobertura são originais. O orçamento já está pronto: por R$ 600 mil seria possível deixá-la tinindo.
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