Pode-se sonhar com a erradicação da miséria? Sim. Desde a década de 1990, quando houve um boom de ONGs no país, milhares de organizações foram a campo para sanar as dívidas do Estado negligente com as mazelas sociais brasileiras. Nem sempre em brancas nuvens, é verdade: comumente as organizações não governamentais são alvo de críticas ferrenhas e de auditorias severas. Mas raro quem lhes negue a importância.
Graças às ONGs, os governos encontraram mediados na sociedade civil para enfrentar as feridas nacionais que não são poucas. Para estudar essa contribuição, surgiu o Instituto de Administração para o Terceiro Setor Luiz Carlos Merege (Iats), que leva o nome de um dos maiores estudiosos do assunto.
A coordenadora do centro de pesquisa, a cientista social Márcia Moussallem, ligada à Universidade Católica de São Paulo, conversou com a Gazeta do Povo sobre os programas do governo Dilma para os que vivem em pobreza extrema. E aponta novas palavras de ordem: responsabilidade compartilhada e empoderamento. Não se combate a miséria sem soma de esforços, inclusive dos que estão sujeitos à mendicância. Confira.
Qual o papel do terceiro do setor nesses tempos de Brasil sem Miséria, novo programa do governo Dilma Rousseff?
Historicamente, o Estado brasileiro sempre esteve muito ausente das questões sociais. A participação da sociedade civil na arena pública teve a sua marca principal no inicio da década de 1990, com o crescente número de associações atuando em diferentes áreas. Neste universo do chamado terceiro setor, observamos um número expressivo de organizações que atuam diretamente com o público, como idosos, famílias, moradores de rua, criança e adolescente, etc. Tais organizações, pela sua própria estrutura e característica específica, conseguem estar onde o Estado não consegue atuar. Neste sentido, o terceiro setor consegue desenvolver projetos sociais específicos para um determinado público de maneira mais direta.
Apesar da famosa Campanha do Betinho e do Fome Zero que redimensionaram a ideia de assistencialismo as prevenções contra os programas que "não ensinam a pescar" ainda são alvos de críticas. Como escapar dessa cilada?
No universo heterogêneo das organizações do terceiro setor encontramos ações com o foco somente na filantropia, como também ações e projetos de cidadania e empoderamento. Existem algumas organizações no Brasil que têm atuado em parceria com o poder público para desenvolver projetos de qualificação profissional. Um exemplo são as entidades que atuam com a população de rua conveniadas com a Secretaria de Assistência Social de São Paulo. A parceria entre o poder público e organizações tem sido um importante caminho para o desenvolvimento de projetos mais eficientes e eficazes para esta população.
Fala-se na necessidade de uma "responsabilidade compartilhada", na qual tanto poder público quanto a iniciativa privada e o terceiro setor possam atender em parceria a população de baixa renda. Essa parceria já pode ser observada?
A partir da década de 1980, e mais precisamente no final década de 1990, observamos mudanças relevantes do papel do Estado frente ao agravamento das questões sociais e os processos de globalização. Presenciamos hoje um novo modelo de gestão social. Modelo este que podemos chamar de "gestão compartilhada" ou "gestão intersetorial". Este é o caminho mais efetivo nesta nova conjuntura, ou seja cada setor atuando como parceiros em questões de interesse público. Todos têm a sua importância e responsabilidade. No Brasil verificamos cada vez mais este modelo.
Dá para sonhar com 100% de erradicação de miséria, como promete o programa governamental?
A atuação mais efetiva do governo em parceria com os demais setores pode ser um caminho para mudarmos esse cenário de pobreza extrema no Brasil. Mas, somente com um duro investimento na educação e na saúde da população podemos construir um novo Brasil.
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