Além deste restaurante popular na Praça Rui Barbosa, a prefeitura mantém outros três, no Sítio Cercado, Fazendinha e Pinheirinho.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Meio dia e meia da segunda-feira, dia 9 de março, e me encaminho à bilheteria do Restaurante Popular da Praça Rui Barbosa. Busco pelo cardápio, que normalmente é afixado à parede, mas nesse dia, me conta um funcionário, “faltou tinta na impressora”. Em menos de três minutos compro meu bilhete por R$ 2 e vou para entrada. No curto período de espera passam dois pedintes. Dou uma moeda de R$ 0,25 ao primeiro, cedendo ao apelo dele “de qualquer coisa pra rangar” e ignoro constrangido o segundo. Ele sai falando algo que não entendo. Vou para a entrada do restaurante.

CARREGANDO :)

Fiscalizado por um funcionário que recolhe os bilhetes, o espaço é dividido em duas filas e ao lado direito ficam os usuários preferenciais, como idosos e deficientes; no esquerdo, os demais. Lavo minhas mãos com o pouco de sabonete líquido que sobrou e consigo com esforço algumas gotinhas. A maioria das pessoas segue reto, sem lavar as mãos, dando pequenos passos na direção do buffet.

Os quatro restaurantes populares atendem 4.200 pessoas por dia. Usuário paga R$ 2 pela refeição. 
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Estão servindo arroz, feijão, almôndegas, salada de beterraba. A sobremesa é um caqui. Sete funcionários servem os pratos numa velocidade impressionante. As colheres de arroz e feijão são à vontade. A carne e a guarnição têm o limite de uma porção. Peço três colheres de arroz, uma colher de feijão e recebo três almôndegas e a salada de beterraba e procuro uma mesa. Pergunto ao meu colega de mesa com que frequência ele vai ao Restaurante Popular. Ademir Borges, que é mecânico, responde que costuma frequentar o do Pinheirinho sempre [três vez por semana ao menos] e o central quando está na região. Diz não gostar da comida, mas faz isso pela economia.

Deixo um pouco de arroz no prato, uma almôndega e boa parte do caqui, que estava verde e difícil de morder – porque estava satisfeito e, também, porque a carne, que deveria ser bovina, estava muito branca e me deixou desconfiado.

Segundo dia

Chego por volta de 12h45 para almoçar. O calor incomoda e a fila para a compra do bilhete está maior. Vou olhar o cardápio e me animo com a perspectiva de provar strogonoff e batata palha. O restante do menu consiste na repetição do de segunda: arroz, feijão, salada de beterraba e caqui.

São 25 cubas (cerca de 25 quilos) de arroz, 12 cubas de feijão e mais 12 cubas de guarnição e carne.

Jéssica de Lima nutricionista do Restaurante Popular

A fila demora cerca de 15 minutos até chegar ao buffet. Noto que os homens normalmente pedem mais de cinco colheres de arroz. Um sujeito chega a pedir 12 colheres à frente e comemora, dizendo que normalmente pede essa quantidade e nunca é atendido. Pelo que percebo, as mulheres vão ao máximo de cinco colheres de arroz, o que forma um volume bastante grande.

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Dessa vez, peço duas colheres de arroz, dispenso o feijão e faço um prato típico de strogonoff com batata palha. A carne está macia e em dez minutos termino a refeição. O prato do dia estava bom, não há do que reclamar.

Deixo meu caqui para o companheiro ao lado. Ele aceita e se apresenta depois de mim: chama-se Mauro Soares e vem de Cascavel. Está à espera de uma consulta para futuramente operar um problema de hérnias. Enquanto isso, está hospedado num albergue no centro e diz que recebe um lanche lá também à tarde. Soares levanta a camisa e me mostra a barriga bem inchada. Conta um a um os dias que parou de beber e os que está em Curitiba: largou a bebida há 38 dias, dois dias antes de chegar à capital. Procura uma vida nova. No auge, ele afirma que bebia uma garrafa de cachaça por dia.

Soares elogia a comida e se anima a contar que há a perspectiva de começar a entregar panfletos logo. “Tenho um conhecido que talvez me arrume algo. Se conseguir trabalhar de segunda a segunda, acho que posso ganhar até R$ 1 mil. Tá bom”, diz.

Terceiro dia

Mais uma vez me aproximo da fila do restaurante ao redor das 12h45. Olho o cardápio: bife grelhado, arroz, feijão, berinjela ao molho branco, salada mista e caqui. Nesse dia, vejo dois pedintes próximos da escadaria. Eles não vão até a fila, limitando-se a pedir de longe. Antes de adquirir meu bilhete, um senhor compra dois tíquetes e entrega a eles.

Não enfrento fila na entrada, além da habitual ante a catraca vigiada. Encontro uma mesa e vejo uma senhora, Maria Elci, descascando um caqui. Pergunto a ela sobre a refeição e ela desata a reclamar do bife. “Estão servindo um pedaço bom pra alguns, mas o meu só tinha nervo. Perguntei pra atendente se ela comeria um bife daqueles e ela deu risada”, disse Maria Elci.

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Encaro meu bife, que não está tão duro quanto fiquei imaginando depois de conversar com a dona Maria Elci. Depois disso, as outras quatro pessoas da mesa passam a discutir se um dos elementos da salada mista é pepino ou casca de melancia. Eu fico achando que é pepino. O resto defende que era casca de melancia. Na verdade, é melancia mesmo, fico sabendo ao perguntar aos funcionários.

Quarto dia

Quarto dia de almoço e vejo que a fila está movimentada. Vou acompanhado do fotógrafo Marcelo Andrade e, enquanto ele faz imagens, converso com dois pedintes sentados na escada. Os dois se apresentam como moradores de rua. O primeiro deles, Jhonathan Henrique Spolador, é de Apucarana e diz morar há três anos na capital. Frequenta regularmente o restaurante, mas reclama do serviço. “Na hora de servir é uma desordem. Atiram tudo no prato”, diz.

Seu colega, Jonys Cabral, também reclama do estabelecimento, mas coloca a maior culpa de sua insatisfação no povo que não contribui com a sua arrecadação para o almoço. “De cada trinta pessoas a quem pedimos dinheiro, só uma colabora”, estima.

Como dessa vez vou encontrar a nutricionista do local, passo a entrada sem bilhete com Andrade. O menu do dia é composto por barreado, arroz, feijão, salada de repolho e caqui. Jéssica de Lima, nutricionista contratada há duas semanas, começa a me explicar a quantidade média de alimentos servidos. “São 25 cubas (cerca de 25 quilos) de arroz, 12 cubas de feijão e mais 12 cubas de guarnição e carne.”

Enquanto isso, Spolador é detido pela Guarda Municipal. Andrade me avisa da confusão e vou perguntar o que está acontecendo ao ver dois policiais segurando seu braço com força. A equipe da Guarda Municipal quer saber quem sou e depois de me identificar como repórter me alertam que eu deveria “era ficar de olho na fila pra ver o que “eles” [pedintes] fazem”.

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De acordo com o inspetor Josias, policial presente que não quis informar seu nome completo, Spolador passou “mexendo com quem estava quieto”. Ou seja, provocou os policiais. Além disso, o policial afirmou que os andarilhos que circulam no local, depois de almoçarem, continuando pedindo tíquetes para revender na fila a quem está com pressa e, com isso, criam um mercado paralelo. Após alguns minutos, liberam Spolador. Ele não quer mais conversar. Vou pra fila buscar meu prato. Provo o barreado. Estava bom.

Quinto dia

É o último dia da experiência e estou me acostumando com as refeições do Restaurante Popular. Dessa vez, vou acompanhado do repórter Bruno Matos para completar a reportagem com um vídeo. Em meio às entrevistas, revejo José Maria Veiga, um aposentado de 72 anos, que costuma se sentar nas últimas mesas, perto dos banheiros. Com 80% da visão comprometida por um diabetes, Veiga não pode cozinhar. Ele explica que se queima. Que derrama a comida. É um servidor público aposentado e gosta dali, tem uma rotina. Para ele, o único problema é o fato que a fruta da estação [caqui] mais parece uma “pedra”.

Vejo mais uma vez o malabarista e morador de rua Herbert Moura, que abordado para a entrevista quis contar, em tom irônico, que “benção era aquilo [Restaurante Popular] na sua vida”. Como meu prato de arroz, feijão, carne moída e salada e vou embora.

Na minha avaliação, não foi um dos melhores dias. Mas me lembro que para outras pessoas aquele é o prato predileto. É o caso da aposentada Cristiane Menezes, que considera o dia da carne moída, junto com a saladinha de pepino, uma delícia. “Aqui só dá coisa boa”, diz Cristiane. Nem sempre, mas de vez em quando sim.

Prefeitura afirma que serviço custa caro e vai optar por feira

Defendida pelo prefeito Gustavo Fruet na época de campanha, a expansão do número de restaurantes populares não vai se concretizar. Apesar disso, a prefeitura afirma que vai manter a estrutura atual: os restaurantes da Praça Rui Barbosa, do Sítio Cercado, do Fazendinha e do Pinheirinho. Seu foco, porém, passa se concentrar em outras iniciativas, como o programas Nossa Feira.

Esses quatro restaurantes populares atendem diariamente 4.200 pessoas e custam R$ 3,7 milhões por ano à prefeitura, considerando o aumento para o usuário de R$ 1 para R$ 2 na virada de 2014 para 2015. Ao todo, cerca de 70 funcionários trabalham diretamente na operação dos estabelecimentos.

“O programa [do Restaurante Popular] continua. A intenção era ampliar a abrangência geográfica, com a implantação de nova unidade. No entanto, uma série de razões levou a prefeitura a dar prioridade a ações mais sustentáveis e que ofereçam melhor relação custo-benefício para a população. Entre essas razões estão o contexto econômico do país e outras iniciativas da gestão Gustavo Fruet, como o Programa Nossa Feira, criado em 2014”, diz em nota a prefeitura.

Além disso, a prefeitura afirma que a suspensão dos repasses do governo federal para esses projetos e os passivos herdados pela atual administração pública municipal não possibilitam a expansão dos restaurantes populares nesse momento.

Segundo Marcelo Munaretto, secretário de abastecimento, o Nossa Feira, no qual o quilo de qualquer alimento tem preço fixo de R$ 1,59, possui um efeito mais positivo no sentido de educar a população a consumir alimentos saudáveis, pois o preparo é realizado nas residências e um maior número de pessoas consome até 35 produtos. “Além disso, há um aquecimento das vendas dos agricultores da região e os produtos são vendidos a um custo 40% menor do que no varejo tradicional.”

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