A Universidade Federal da Bahia (UFBA) arquivou a denúncia de uma professora que afirma ter sido vítima de assédio moral, calúnia, difamação e destruição de reputação. “Fui acusada de ‘racista’ e ‘transfóbica’ por me dirigir a uma aluna trans utilizando substantivo masculino porque eu não a conhecia”, afirma a doutora em Comunicação e Cultura Contemporânea, Jan Alyne Barbos Prado.
Na denúncia enviada à Ouvidoria da UFBA, a docente informou que foi “punida e humilhada pelo coletivo da universidade, sob regência da referida aluna”, sem provas, e que isso destruiu sua reputação ao se espalhar pela imprensa local e nacional. “Fui bombardeada por críticas e ofensas nas mídias sociais, em cartazes na faculdade e até em abaixo-assinado”, conta.
“Também tive que cancelar um Projeto de Extensão e entreguei meu cargo de coordenadora do Colegiado com receio da exposição que o cargo enseja”, informa, ao citar ainda prejuízos à sua saúde mental e o afastamento da sala de aula por licença médica, o que exigiu a contratação de um professor substituto.
De acordo com a denúncia, a professora estava ministrando aula na Faculdade de Comunicação (Facom), em 12 de setembro de 2023, quando foi interrompida insistentemente por uma pessoa que comparecia à turma pela primeira vez no semestre, um mês após o início das atividades.
“A aluna interveio na aula reiteradamente com comentários absolutamente desconexos e ofensivos à minha honra”, relata a educadora na denúncia, informando que, em algum momento, se referiu à estudante com uma expressão flexionada no gênero masculino. Isso “foi o estopim para seu total descontrole emocional, não bastando que eu tenha me desculpado do equívoco praticado”, relata a docente.
Toda a discussão foi gravada, e o áudio mostra Jan Alyne tentando retomar sua linha de raciocínio ao explicar que a aluna não havia lido o texto da aula anterior e, por isso, estaria fugindo do tema. No entanto, o comentário fez a estudante aumentar o tom de voz e ironizar as falas da professora. "Eu li o texto, meu bem", disse a aluna trans no meio da discussão, momentos antes de a professora, aparentemente nervosa, se referir a ela com o termo “chateado”.
“A sua curadoria está tão distinta que você não consegue nem me enxergar como uma mulher, mas desculpa se o meu discurso acadêmico não é compatível com o seu, mesmo estando no mesmo parâmetro", retrucou a aluna trans, que voltou a interromper a professora momentos depois, a ofender sua metodologia de ensino e afirmar que a processaria.
"Aguentei a senhora ter feito aquela dinâmica irrisória, insuportável comigo, desde errar o meu pronome até fazer a minha existência, como aluna aqui dentro dessa sala, não existir. Eu vou abrir um processo contra a senhora", afirmou, exaltada, como é possível verificar no áudio da discussão.
A professora não conhecia a estudante trans, que estava na aula pela primeira vez
Em entrevista à Gazeta do Povo, a educadora explica que não conhecia a estudante e que ela não havia se identificado como mulher trans durante a aula. Por isso, a docente pediu desculpa pelo equívoco, mas foi acusada de transfobia e racismo pela aluna. “E, por me sentir ameaçada, decidi sair da sala para pedir ajuda a um funcionário, pois a situação estava fugindo ao controle e eu estava sendo desrespeitada”, relata a docente.
O caso repercutiu nos veículos de comunicação e nas redes sociais, e a estudante – junto com outros colegas – repetiu essas acusações em outros momentos dentro da universidade, inclusive em evento com a presença do corpo docente, reitor e autoridades locais.
“Foi um linchamento de reputação por algo que não fiz e que não estou tendo oportunidade de me defender”, lamenta a professora, que teme ver outras pessoas na mesma situação. “Por isso, a abertura de um Processo Administrativo a respeito do caso não visa somente minha honra, mas a integridade de todo o corpo docente, discente e demais membros da instituição de ensino”, diz Jan Alyne. “Se o caso não for apurado, abrirá precedente para que fatos assim se repitam”, alerta.
A Universidade Federal da Bahia (UFBA) arquivou a denúncia
A denúncia da professora foi registrada no portal Fala.BR dia 9 de novembro de 2023, e uma comissão interna de sindicância foi designada para apurar os fatos “sobre uma possível prática de assédio moral e calúnia contra a docente”. No entanto, o caso foi arquivado no último dia 23 de fevereiro.
“Dentro do regimento interno, a sindicância é a primeira instância que avalia a autoria das irregularidades mencionadas e decide pela abertura do processo administrativo disciplinar”, explica a professora, afirmando que isso não foi realizado, pois a comissão não a procurou. “Se tivessem ouvido as partes, teriam constatado que a aluna cometeu crimes como assédio moral, calúnia, difamação, injúria e destruição de reputação”, aponta.
No entanto, o relatório apresentado pela sindicância no último dia 23 de fevereiro, que a Gazeta do Povo teve acesso, recomendou arquivamento da denúncia. “Ponderamos que não há correspondência material entre os fatos descritos e os respectivos requerimentos ali formulados”, afirma o documento.
Em resposta, Jan Alyne entrou com recurso para solicitar a reconsideração da decisão, já que as ações da aluna violam o Código de Ética da universidade, “que exige manutenção de um ambiente acadêmico seguro, inclusivo e respeitoso para todos os membros da comunidade universitária”.
A professora também apontou que a sindicância administrativa tem objetivo de apurar a denúncia para identificar a autoria de irregularidade praticada no serviço público e penalizar a infração, mas que “o relatório final passou a tecer comentários aos fatos narrados pela denunciante”, sem apurar o que ocorreu. Com isso, “mostra-se imprestável ao fim proposto”, pontuou a docente em seu recurso.
O recurso enviado pela professora não foi aceito
Entretanto, a doutora em Comunicação relata que seu recurso não foi aceito sob argumentação de que o artigo 142 do Regimento da Universidade Federal da Bahia dá esse direito apenas às “partes interessadas” no processo. “No caso, eles afirmam que seriam apenas a Administração Pública e a denunciada, apesar de eu argumentar no meu recurso que sou parte interessada também”, explica.
Com a resposta, a professora segue afastada do trabalho, por licença-médica, preocupada com sua segurança e com a repetição de fatos como esse. Afinal, “a decisão de arquivamento da denúncia por ‘falta de evidências materiais’ cria um precedente perigoso e nocivo para outros membros da comunidade universitária que, porventura, enfrentem situações semelhantes no futuro”, afirmou no recurso apresentado.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a UFBA, com a Faculdade de Comunicação (Facom) e com o Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino (Apub), mas não recebeu posicionamentos oficiais até a publicação dessa reportagem. O espaço segue aberto.
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