A conta do ensino superior público no Brasil não fecha. Durante os governos Lula e Dilma, com o lema “Universidade para todos”, o crescimento das universidades federais foi exponencial. Os salários dos professores e técnicos-administrativos, que já representam cerca de 90% dos orçamentos das universidades, são alvos de greves constantes para reajustes. Sobra pouco do dinheiro público para investimentos e pesquisa, em um cenário de alta evasão de alunos e retornos tímidos para a sociedade. O sistema de ensino superior público, tal como está hoje, caminha a passos largos para a insustentabilidade.
Mesmo com o ensino superior brasileiro recebendo três vezes mais investimento público do que a educação básica, o mantra de “ensino superior público, gratuito e de qualidade” é acompanhado por exigências recorrentes de mais recursos. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2023, o Brasil investiu US$ 14.735 por aluno do ensino superior. Embora esse valor esteja próximo à média de gasto dos países da OCDE com ensino superior, o Brasil não acompanha essas nações em termos de impacto científico - as produções científicas brasileiras são pouco lidas e aplicadas (leia mais abaixo).
Uma saída seria firmar parcerias com a iniciativa privada para encontrar novas fontes de recursos fora dos impostos federais. As instituições e sindicatos resistem a essa possibilidade, que traria, além do dinheiro de empresas, exigências de qualidade na produção acadêmica nos moldes previstos no mercado.
Apesar da grande estrutura e dos altos gastos para manter o ensino superior no Brasil, já é possível perceber uma tendência de diminuição de alunos nas universidades federais. O pico do número de ingressantes em cursos de graduação na rede federal foi de 380.561 em 2017. Nos anos seguintes, houve uma baixa gradual, chegando ao número de 322.122 em 2022, segundo o Censo da Educação Superior divulgado em 2023. Ainda de acordo com o levantamento, a taxa de desistência dos alunos de graduação em redes públicas passou de 8% em 2013 para 52% em 2022.
Até o dia 3 de julho, os professores universitários que estavam em greve devem voltar às salas de aula. Após mais de 60 dias de greve, a classe aceitou o reajuste salarial de 12,8% oferecido pelo governo Lula, ainda que no início da paralisação o pedido era de 22,71%. No último dia 10, o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou um acréscimo de R$ 400 milhões para o custeio das universidades federais além dos R$ 5,5 bilhões que já estavam previstos pelo Orçamento da União.
Estrutura de universidades federais é desproporcional à quantidade de alunos
“Quando se expande tem de se pensar no custeio. Naquele período [primeiro e segundo mandatos de Lula], houve um crescimento das universidades federais sem levar em conta que esse crescimento teria um impacto muito grande no custeio ao longo do tempo. Ou seja, se o sistema cresce demais, ele fica insustentável”, analisa o doutor em Teoria Política pela University College of London e professor da Universidade Federal do Ceará Átila Brilhante.
Um levantamento feito pelo próprio PT mostra que 18 universidades federais e 173 campi foram criados nas gestões de Lula e Dilma. Entre 2003 e 2014, o número de alunos no ensino superior passou de 505 mil para 932 mil, e mais de 360 institutos federais foram implantados.
Das 533.973 vagas oferecidas pelas instituições de ensino superior federal, apenas 322.122 foram preenchidas, o que resultou em quase 40% de vagas ociosas, segundo o Censo de Ensino Superior de 2022.
Desempenho de graduados fica abaixo do esperado pelo MEC
As taxas de conclusão de curso são muito baixas. Em uma avaliação dos Indicadores de Trajetória da Educação Superior, o Inep levantou o CPF dos alunos que se matricularam no ensino superior em 2017 e avaliou a situação de cada aluno em 2022. Cinco anos depois, em um recorte feito por apenas universidades federais, 38,6% dos alunos desistiram do curso. A taxa dos concluintes é de 14,7%, consideravelmente baixa quando considerado o prazo de cinco anos.
Os resultados do Exame Nacional de Desempenho Educacional (Enade), que serve para medir o desempenho dos alunos que estão saindo da graduação, estavam abaixo da média de 60 pontos, esperada pelo ministério da Educação (MEC). Em 2022, a média dos alunos de instituições federais do curso de Ciências Contábeis foi de 33,91 pontos, enquanto os de Administração foi de 51,05 pontos.
Em reais, o valor apontado pela OCDE em relação ao gasto anual por aluno do ensino superior fica em torno de R$ 81.377,20, retirando mais de R$ 6 mil por mês dos cofres públicos. “Quem questiona esse investimento é visto como um inimigo da universidade e estaria agindo contra as instituições, quando, na verdade, deseja discutir sobre a eficiência desses investimentos”, revela Ferraz.
Grande parte do orçamento das universidades é destinada a folha de pagamento. O valor transferido para o pagamento específico de professores e servidores chega a 90% do total enviado às instituições. O sistema de progressão de carreira dos professores, que aumenta automaticamente os seus salários, e o pagamento de aposentadoria prejudicam qualquer chance de se obter uma melhora financeira.
Impacto científico de publicações feitas no Brasil é fraco, segundo ranking
Uma reportagem da Gazeta do Povo selecionou 20 dissertações de mestrado e teses de doutorado insólitas realizadas em 2023. “Estado bruxólico. As bruxas como tecnologia de resistência” é o título da tese de um doutorado de Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Já a Universidade Federal do Piauí (UFPI) contribuiu com uma dissertação de mestrado em Políticas Públicas intitulada de “Sapatonas caminhoneiras negras e o mercado de trabalho como desafio”.
A ideia é amparada por informações do Leiden Ranking. O sistema de classificação, elaborado pela Universidade de Leiden na Holanda, permite avaliar o impacto científico de trabalhos realizados por universidades do mundo inteiro. A Universidade de São Paulo – que está entre as melhores da América Latina – ocupa a 12ª posição quando se trata de quantidade de publicações feitas em 2023, mas cai para a 1083ª quando comparada a publicações similares entre os top 10% mais citadas. Isso indica que, apesar da alta quantidade de produção, a relevância dos trabalhos é expressivamente menor.
Carlos Ferraz reforça que “muitas vezes essas pesquisas, eventos e dissertações são banais. Ninguém lê, não possuem nenhuma relevância e nem sequer têm impacto na própria área. Ainda assim, eles atraem recursos do governo”.
Ainda com base no Leiden Ranking, a primeira universidade federal brasileira que aparece pelo número total de publicações é a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na 224ª posição, seguida pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que ocupa o 233º lugar. No entanto, ao avaliar o impacto acadêmico, essas instituições caem para as posições 1064ª e 1179ª, respectivamente.
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