O avanço de um mundo paralelo, que confunde as esferas pública e privada, tem colocado as três universidades estaduais de São Paulo – USP, Unesp e Unicamp – na mira de tribunais de contas, Judiciário e Ministério Público. Intermediações de convênios federais com terceirização de serviços, aluguel de espaço público, gestão de verbas da própria universidade e cobrança de taxas de administração são algumas das irregularidades envolvendo a atuação de fundações privadas ligadas às universidades. A cobrança por cursos continua ganhando espaço.
Uma das principais fundações de apoio à USP, a FUSP, foi questionada pela Controladoria-Geral da União (CGU) em dezembro. Ela aparece como titular de um convênio com o Ministério da Cultura para um projeto de uma incubadora ligada à pró-reitoria de Cultura e Extensão da USP, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP). Além de intermediar o serviço, o que é ilegal, a FUSP ainda subcontrataria uma ONG, chamada Capina, para o projeto de economia criativa. Também cobrava no seu plano de trabalho um aluguel de R$ 79 mil de um dos espaços públicos da universidade.
Depois que a CGU reprovou o convênio, de R$ 502 mil, a União congelou o repasse. A USP informou que trabalha para avançar com a proposta, argumentando que a “interrupção tem acarretado desmobilização da equipe e dos empreendimentos”.
Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as atribuições de uma fundação privada, a Funcamp, se misturam com as da própria instituição, assim como a gestão dos recursos. Ela gerencia almoxarifados, reforma e gere hospitais (há um convênio no valor de R$ 711 mil com o Hospital das Clínicas) e cobra taxa de administração de 6%. São atividades não permitidas e distantes da finalidade da fundação. A Funcamp também recebeu recursos originários da universidade, como taxas de inscrição em vestibulares, de formaturas, comercialização de livros, publicações de periódicos, venda de camundongos, softwares, mudas, plantas e realização de eventos.
Praticamente toda atuação da Funcamp foi considerada irregular pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) no fim do ano passado. O TCE viu como uma “terceirização exagerada” as ações passadas pela Unicamp à fundação. Para tocar várias atividades, a universidade prorroga um convênio com a Funcamp desde 1987 _ o que por si só já viola a legislação.
O uso de salas do câmpus Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no interior de São Paulo, para que a Fundação Para o Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FDCT) ofereça cursos pagos é aceito na instituição. O Ministério Público, entretanto, já questionou na Justiça e ação está em trâmite ([ITALIC]mais informações nesta página[/ITALIC]).
Realidade. Quase sempre criadas por professores universitários, as fundações de apoio podem firmar convênios com empresas, esferas governamentais _ com autorização de dispensa de licitação _ e com a própria universidade. Por elas, professores são contratados e pagos, mesmo que muitos sejam de dedicação exclusiva. Os ganhos podem ser até cinco vezes maior do que o salário como servidor de dedicação integral, segundo estimativa da Associação de Docentes da USP (Adusp).
Os sindicatos das estaduais, bem como a representação nacional (Andes), têm uma luta histórica contra o processo de privatização que as fundações estimulam. “Essa relação fere o princípio da separação entre público e privada, não há transparência”, diz o presidente da Adusp, Ciro Correia. “Se um professor está nessa situação, ele está mais vinculado à fundação ou à universidade?”. questiona.
Parte do dinheiro de contratos e cursos pagos vai para as unidades, que pode chegar a 30%, A universidade fica com 5%. Em 2014, a USP recebeu R$ 4 milhões com cursos pagos oferecidos pelas fundações, o que indica uma movimentação de R$ 88 milhões com esses cursos. Algumas dessas formações custam cerca de R$ 30 mil.
A USP tem um fundo específico para essas taxas. Em março, o saldo dessa poupança era de R$ 15,4 milhões. Valor irrisório perto dos negócios das fundações. Só a FUSP recebeu R$ 740 milhões em projetos da instituição entre 2007 e 2013. Segundo a reitoria, 16 fundações das mais de 30 fundações que existem na USP têm 197 convênios com a própria universidade _ a FUSP tem 26. A própria universidade informou que só as fundações poderiam indicar seus recursos totais.
O atual presidente da FUSP, José Roberto Cardoso, defende que o modelo é imprescindível para a agilidade de processos de contratação na universidade e também para o desenvolvimento de pesquisas, intensificando a interlocução com o setor produtivo. “As fundações surgiram como uma oportunidade de o professor aumentar seus ganhos mesmo dentro da universidade e não sair para o mercado. Mas não é só o dinheiro, o professor quer realizar os trabalhos que a universidade não tem oportunidade de tocar sozinha”, diz ele, que já foi diretor da Escola Politécnica e se candidatou ao cargo de reitor no último pleito. “A sociedade não pode partir do pressuposto que só tem desonestidade na fundação”.
Na Unicamp, a Funcamp administrou R$ 377 milhões provenientes de 1.183 convênios e contratos envolvendo as áreas de atuação da Unicamp em 2013. Os cursos cobrados de extensão se traduziram em R$ 16 milhões em 2013. A universidade, entretanto, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a Funcamp.