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Trânsito

Urbs investe só 20% das multas em educação

Multas podem ficar mais caras. | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Multas podem ficar mais caras. (Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo)
Veja o número de multas aplicadas no primeiro semestre deste ano |

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Veja o número de multas aplicadas no primeiro semestre deste ano

Curitiba gastou com campanhas de educação no trânsito apenas R$ 1,00 para cada R$ 5,00 recebidos com multas no ano passado. Por culpa da própria engrenagem construída na Urbs para gerenciar o trânsito na capital. Trata-se de um sistema caro que, quanto mais infrações aplica, mais oneroso se torna. Em 2009, a companhia recebeu R$ 48,3 milhões em multas. Desse total, quase 80% se transformaram em "óleo" para manter a máquina operando, bancando os custos de envio de multas, repasses obrigatórios e despesas com pessoal. Os 20% restantes se destinaram às melhorias de sinalização e educação, obrigações previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A prefeitura foi obrigada a desembolsar mais R$ 2,7 milhões para o sistema não se tornar deficitário. Na previsão orçamentária, baseada no histórico de multas, a Urbs esperava receber R$ 11,3 milhões a mais do que efetivamente entrou em caixa. A explicação, conforme o presidente da empresa, Marcos Isfer, é a inadimplência, de 20% a 30%, conforme o ano. "A previsão é feita do que se deve receber. E só se recebe o que se paga. O sistema organiza as multas, mas não recebe, especialmente porque muitos veículos andam irregulares por não se licenciarem", diz.

Professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), José Guilherme Vieira considera baixo o porcentual usado na educação e diz que o trânsito deve ser mesmo uma atividade deficitária. "Assim como outras questões importantes como a polícia e a saúde, o objetivo não deve ser o lucro", afirma. O presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advo­­gados do Brasil Seção Paraná (OAB-PR) e professor de Direito de Trânsito do Unicuritiba, Marcelo Araújo, afirma que, em geral, a multa leve não se paga. "Se considerar que a pessoa pode recorrer ainda, os custos saem ainda mais caros que sua aplicação", diz.

Na análise de Vieira, projetar lucro com multas é uma visão distorcida. "A função da multa é educativa. Com ela, as pessoas deveriam refletir sobre seus atos. Portanto, esperar que as pessoas cometam cada vez mais infrações é um verdadeiro absurdo", diz. Para Isfer, a Urbs cumpre a obrigação de ordenar o trânsito de Curitiba, mas a verba é pequena para as reais necessidades da cidade. "Nós nunca atingimos número superior a 15% ou 16% da frota total multada. A grande maioria das pessoas é correta, cumpre seus deveres", diz. Para Isfer, o fato de as multas não proporcionarem lucro à Urbs encerra o discurso dos críticos de que existe uma "indústria da multa".

Direito de multar

A Urbs pode perder o direito de aplicar multas, um sistema que administrou 1.667 infrações diárias neste ano. Em 16 de julho, um juiz aposentado que não quer se identificar impetrou mandado de segurança na 4.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba questionando o poder de polícia da Urbs, pois trata-se de empresa que visa lucro. Desde 2009, a BHTrans, companhia com as mesmas funções da Urbs em Belo Horizonte, não assina infrações por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em caso semelhante. Se o parecer for favorável ao ex-magistrado, o benefício será individual, mas poderá se reverter a todos os condutores da capital.

Na comparação entre o primeiro semestre, as infrações aplicadas cresceram 10% de 2009 para 2010. O número de multas saiu de 273.411 no ano passado para 301.688 neste ano. Dois motivos colaboram para o acréscimo: Curitiba saltou de 110 para 140 radares em 2010 – que observam avanço de sinal vermelho e parada sobre a faixa de pedestres, além de monitorar o limite de velocidade – e a frota cresceu 5%, com 46 mil novos veículos nas ruas.

Para a coordenadora do Nú­­cleo de Psicologia do Trânsito da UFPR, Iara Thielen, o egoísmo dos motoristas explica o aumento. "Enquanto as pessoas não se derem conta de que elas próprias devem controlar seu comportamento e que o trânsito é um espaço coletivo, vamos conti­nuar com o crescimento", opina. Para este ano, a Urbs estima receber R$ 50 milhões – valor correspondente à aplicação de 1.078 multas diárias de R$ 127 (infração por exceder o limite de velocidade em até 20%), a mais comum no Paraná.

Autarquia mineira não pode mais multar

Desde novembro do ano passado, a 2.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, impedir a empresa de transportes e trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) de aplicar multas, aceitando recurso do Ministério Público de Minas Gerais. Seis meses depois, contudo, a mesma 2.ª Turma autorizou a BHTrans a exercer atos de fiscalização do trânsito. Com um mandado de segurança semelhante, impetrado por um juiz aposentado em Curitiba, a Urbs pode ter as mesmas dificuldades da autarquia mineira. A empresa não se manifesta sobre a ação porque diz que ainda não foi notificada.

A BHTrans recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para voltar a gerenciar o trânsito. Segundo o professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Justino de Oliveira, há, no entanto, jurisprudência do STF contrária à intenção da companhia. "Há o entendimento de que o poder de polícia não pode ser exercido por entidades como a BHTrans", afirma. Não há prazo definido para a análise do STF.

Solução

Em Belo Horizonte, a solução encontrada para monitorar o trânsito foi caseira, mas, ainda assim, engessou a fiscalização. Logo após a decisão do STJ, apenas a Polícia Militar respondia pela observação do trânsito. Mais tarde, a Guarda Municipal também assumiu a responsabilidade. "Em nenhum momento a cidade deixou de ser fiscalizada", esclarece Marco Antônio de Rezende Teixeira, procurador-geral de Belo Horizonte.

Na prática, a BHTrans continuou responsável por observar os radares (operados por empresas terceirizadas) e os agentes de trânsito da empresa passaram a ser acompanhados pela Guarda Municipal em ocasiões específicas. Os autos de infração, contudo, passaram a ser assinados pelos guardas. De acordo com a assessoria de imprensa da companhia, os agentes continuam operando, mas sem a sua ferramenta principal.

Para o presidente da Comissão de Trânsito da OAB-PR, Marcelo Araújo, a BHTrans não cumpre a decisão do STJ. "Em tese, outro órgão teria que ser criado para gerenciar o trânsito. Não basta dar a autoridade à Guarda Municipal, mas a BHTrans continuar auxiliando a aplicação de multas", explica. "O Código de Trânsito trata de órgão ou entidade. Se há impedimento no funcionamento dela, outra deveria ser instalada, evitando conflitos com a determinação judicial", avisa. A BHTrans informa que analisa a criação de uma nova entidade jurídica.

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