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Saúde na agricultura

Uso de agrotóxico faz vítimas no campo

Agricultores que aplicam agrotóxicos ficam molhados com o banho que levam do produto. Falta consciência do perigo e equipamentos adequados de segurança | Arquivo/ Gazeta do Povo
Agricultores que aplicam agrotóxicos ficam molhados com o banho que levam do produto. Falta consciência do perigo e equipamentos adequados de segurança (Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo)

As lesões vermelhas no rosto, que vez ou outra se espalhavam para braços e pernas, não o fizeram parar de roçar a lavoura. Era seu ofício desde os 15 anos, de sol a sol. Por anos, conviveu com crises, mais ou menos intensas. Teve de amputar o dedo indicador direito, que encaroçou como uma espiga de milho. Para as lesões no braço, quase no osso, precisou fazer enxertos de pele. A audição, frágil, evoluiu para uma quase surdez. Vinte e cinco anos depois de os sintomas surgirem, mais de 40 dias de internação e biópsias, José de Andrade, 77 anos, descobriu que podia ser mais uma vítima do uso indiscriminado de agrotóxicos. Era só ele e a enxada, sem capa ou máscara. Às vezes, até sem galochas.

"A gente macerava o veneno, que era em pó, com a mão, antes de misturar na água. Depois sentava para almoçar. Durante 30 anos usei os produtos sem proteção. Pegava sol, chuva, tudo. Aplicava contra o vento; saía todo molhado. Não sabia do risco", conta o agricultor, que estudou muito pouco e não entendia as instruções do rótulo dos produtos.

Pesquisa

Um levantamento com base em dados do Datasus e do IBGE revela que o Rio de Janeiro tem altas taxas de mortalidade por câncer e suicídio em três regiões — pesquisas científicas não conclusivas sugerem ter associação com o uso de agrotóxicos. A mancha de ocorrências desses dois problemas coincide com as manchas de produtividade de tomate. Regiões agrícolas do estado carioca aparecem na frente em mortes causadas por neoplasias: o Centro Sul tem 133 casos por 100 mil habitantes (22% acima da média). Nessa região estão grandes produtores de tomate: os índices de neoplasia são acentuados entre adultos jovens, entre 40 e 49 anos. E o pior: o suicídio também é mais frequente no campo (chega a ser 51% acima da média de outras regiões).

O estado carioca é um dos exemplos dos efeitos nocivos do uso de agrotóxicos no país. O Brasil – maior consumidor mundial de venenos agrícolas, que em 2010 movimentou US$ 7,3 bilhões – responde hoje por 10% do mercado internacional (cerca de 900 mil toneladas por ano). As cifras são também de um mercado recheado de polêmicas, como a dos possíveis efeitos desses produtos. Para entender a realidade por trás dos números, é preciso ouvir o que contam os próprios agricultores.

José de Andrade relata uma rotina marcada por uma mistura de necessidade extrema e ignorância absoluta sobre os efeitos prejudiciais dos agrotóxicos. Aos 40 anos, sem qualquer explicação para uma série de sintomas psicológicos, ele saiu de seu pequeno sítio em um distrito de Petrópolis e foi caminhando até Santana do Deserto, em Minas Gerais. "Deu problema na mente. Dormia no meio do mato. Depois de 40 dias, o pensamento assentou. Voltei pra casa." Ele passou a beber em excesso e só melhorou depois de ser tratado. Dois irmãos de José morreram de câncer. Todos eram bicho da terra, criados no meio das plantações.

O diretor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc) da Universidade Fede­­ral do Rio de Janeiro, Armando Meyer, constatou com sua equipe, em 2003, um risco maior de morte por câncer de esôfago e estômago entre agricultores da região serrana do Rio em relação às populações do Rio de Janeiro e de Porto Alegre, que registram altas taxas da doença. Dependendo da idade, o agricultor chegava a ter 300% mais chance de morte.

Onze ativos foram retirados do mercado

Desde 2000, a Anvisa retirou de circulação 11 ativos de agrotóxicos nocivos à saúde. Dois são analisados com indicações de banimento e 17 são vendidos com restrições. O gerente- geral de toxicologia do órgão, Luiz Cláudio Meirelles, explica que o país lida com um passivo que exige uma série de estudos até a retirada de um produto do mercado. Para ele, os dados merecem ser investigados. "Há uma grande preocupação sobre os efeitos crônicos a longo prazo, no agricultor e no consumidor. Alguma coisa acontece nessas áreas do interior para registrar taxas de câncer acima da média.

O médico do Programa Saú­­­de da Família Breno Braga, há oito anos no distrito de São Pedro da Serra, em Friburgo (RJ), disse que foi "ligando os casos de pacientes com depressão e suicídios ao veneno agrícola". Maior produtor de flores do Rio de Janeiro, as plantações do local usam massivamente agroquímicos. "É muito difícil estabelecer uma relação de causa e efeito, mas a localidade registra muitos casos de depressão e suicídios, que impressionam porque atingem mais jovens entre 20 e 30 anos. É muito comum eles beberem o próprio agrotóxico."

A Associação Nacional de Defesa Vegetal preferiu não comentar a pesquisa feita no Rio, mas disse que deveria ser levado em conta o tipo de câncer mais comum nessas cidades e o tipo de agrotóxico mais utilizado. Defendeu ainda o uso desses produtos na lavoura "pois todos são devidamente aprovados pela Anvisa e pelo Ministério da Agricultura e Meio Ambiente".

A Secretaria de Estado da Saúde do Rio informou, em nota, que "os estudos científicos realizados até o presente momento não são conclusivos sobre o uso de agrotóxico como causa determinante de câncer".

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