Lei não impede hábito
Jennifer Koppe e Pollianna Milan
Não há dúvidas de que a nova lei antitabagista, sancionada pelo prefeito Beto Richa na última quarta-feira, contribuirá para proteger a saúde da população não-fumante de Curitiba. O mesmo, entretanto, não pode ser afirmado sobre o poder que a decisão terá sobre os fumantes. Enquanto muitos acreditam que a proibição seria o incentivo que faltava àqueles interessados em largar o vício, outros têm certeza de que em pouco tempo, a lei não será mais cumprida, principalmente se a fiscalização não for rigorosa.
Para o oncologista do laboratório Frischmann Eisengart, Selmo Minucelli, a lei será importante para conscientizar as futuras gerações. "A lei vai beneficiar não-fumantes e coibir novos adeptos. Mas não vai reduzir o número de fumantes que já existem. Eles vão continuar a fumar nas ruas, porque são dependentes", diz.
Na opinião do especialista, sem fiscalização pesada ou campanhas contínuas sobre os males do cigarro, a proibição não será respeitada por muito tempo. "O impacto causado pela aprovação da lei será esquecido se o trabalho não continuar. As campanhas não devem se limitar à mídia, precisam ser mais audaciosas, devem estar nas escolas, nas universidades e nas empresas."
A psiquiatra Ana Cecília Roselli Marques, da Universidade Federal de São Paulo, lembra que o processo de conscientização demora para ocorrer. "Mesmo nos países desenvolvidos, como França e Inglaterra, onde a lei já existe há muito tempo, a população só passou a respeitá-la um ano depois de entrar em vigor. E isso só ocorreu porque havia fiscalização e campanhas constantes que lembravam de que era proibido fumar em locais fechados", explica.
A proibição das propagandas de cigarro nos meios de comunicação e a contrapropaganda realizada pelo Ministério da Saúde nas últimas décadas contribuíram para diminuir o número de fumantes no país. De acordo com um estudo realizado pela Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas Por Inquérito Telefônico (Vigitel) do ministério, o consumo de cigarros entre os jovens caiu mais de 50% nos últimos 20 anos. A pesquisa revela ainda que 10,8% de jovens de 18 a 24 anos já são ex-fumantes.
Para a psicóloga Tamara Marussig, especialista no tratamento de dependência química da Clínica Quinta do Sol, a aprovação das leis antifumo em várias cidades do país não pode ser considerada inesperada. "As ações realizadas pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo têm mudado a mentalidade dos brasileiros. É um movimento que vem avançando aos poucos."
Outras restrições
O psiquiatra do Hospital Bom Retiro, Laércio Lopes de Araújo, acredita que a única maneira de acabar com o tabagismo no país é diminuindo a oferta do produto no mercado. "Se existe oferta, sempre haverá demanda. Enquanto as Nações Unidas recomendam que as áreas de plantio de fumo em todo o mundo sejam reduzidas, o Brasil tem feito justamente o contrário. É contraditório criar uma lei antitagismo e ao mesmo tempo estimular o mercado", argumenta.
Para o médico, a única forma de convencer o fumante a largar o vício é dificultando o seu acesso ao produto. "Leis que excluem uma parte da população não desestimulam, causam revolta. Muitos fumantes sabem do mal que o cigarro causa, mesmo assim, não conseguem parar. É preciso reduzir a produção, a comercialização e oferecer tratamento."
A partir de novembro, a lei antifumo vai restringir os espaços onde se pode fumar em Curitiba: nem bares, nem restaurantes, nem qualquer ambiente fechado de uso coletivo. Entre as poucas exceções previstas estão instituições de tratamento de saúde onde pacientes tenham sido autorizados a fumar pelos seus médicos desde que em ambientes isolados e ventilados.
O que levaria um médico a permitir o fumo? Quem defende a prática aponta para casos em que se considera que a interrupção brusca do vício possa causar consequências piores ao paciente. Por outro lado, há médicos convencidos de que a permissão de fumar em clínicas e hospitais não passa de uma distorção cultural, sem embasamento científico, e que desperdiça um momento propício para o fumante abandonar o vício.
Prós
A cláusula de exceção foi copiada textualmente da lei recentemente aprovada em São Paulo. Para o médico sanitarista João Alberto Lopes Rodrigues, coordenador do programa de controle do tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde, a liberação é uma questão de redução de danos em tratamentos de pacientes psiquiátricos, para evitar um agravamento do quadro ou um surto.
"São pacientes que têm alta dependência do tabaco e baixa motivação. Cabe ao médico que compreende toda a situação verificar quando será indicado o corte do cigarro", diz. E alude à liberdade de escolha. "A parada com o cigarro parte de um princípio básico: a motivação do fumante. A lei só estabelece uma regra universal de proteção à saúde. O indivíduo continua tendo o direito de fumar, mas em local adequado."
Nessa tendência, médicos têm optado pela redução gradual do hábito de fumar, de modo a diminuir a crise de abstinência, que pode causar irritação e agressividade. A liberação do tabaco serve não apenas a pacientes com quadros como esquizofrenia ou bipolaridade, mas também ao tratar de dependentes de mais de uma substância química. O psiquiatra Dagoberto Requião, diretor do Hospital Nossa Senhora da Luz, se diz satisfeito com os termos da lei e justifica: "O paciente não aguenta num tranco só ficar livre de duas drogas que causam efeito cerebral nele." Por isso, defende que se combata a dependência mais danosa do ponto de vista imediato, para só depois iniciar o tratamento contra o tabagismo.
Contras
Outra linha de pensamento, segundo a qual o momento da internação é ideal para interromper o vício, é defendida pelo presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria (SPP), Marco Antonio Bessa. "Uma das grandes dificuldades de parar de fumar é o hábito arraigado. Quando a pessoa está isolada no hospital, não tem a possibilidade de sair para comprar cigarro nem exposição a ambientes onde há fumantes, fica mais fácil iniciar o tratamento."
Conselheiro responsável pela Câmara Técnica Antitabagismo do Conselho Regional de Medicina, Bessa faz um alerta: "O tabagismo é uma dependência grave, das mais difíceis de ser tratadas, e favorece a recaída de outras drogas."
O psiquiatra argumenta que a fase de abstinência é uma etapa do tratamento de desintoxicação que não deve ser adiada. "Hoje temos recursos terapêuticos com reposição de nicotina por emplastros ou gomas de mascar", diz.
Especialista em ansiedade, o psiquiatra André Astete, do Instituto de Psiquiatria do Paraná, encara o argumento de evitar a abstinência como um mito. A estrutura médica da instituição de saúde, em que o paciente se vê cercado de especialistas, é, na sua opinião, "o melhor lugar do mundo para ajudar uma pessoa ansiosa a não sofrer de abstinência".
A lei deveria ser corrigida neste ponto, na opinião dos dois. Para Bessa, a "má fundamentação técnica" seria a responsável pela permissão "sem embasamento". Astete acrescenta uma certa "distorção cultural". "A permissão de fumar em ambientes como esse se deve mais à inércia do que a uma justificativa técnica, pois, historicamente, hospitais psiquiátricos sempre foram mais instituições de tutela onde não havia a proibição. O diretor, para abolir o cigarro, enfrenta oposição dos tabagistas", diz.
Na Clínica Quinta do Sol, a psicóloga Tamara Marussig coordena um programa de auxílio-atendimento ao fumante. A iniciativa tenta reduzir o número por paciente em geral, dependente de álcool, maconha, cocaína ou crack. "90% são tabagistas", diz Tamara.
A psicóloga reconhece a contradição de um estabelecimento de saúde liberar o tabaco. "Gostaríamos de proibir o cigarro, mas a gente lida com uma situação muito frágil", diz, em referência a pacientes com casos graves de transtorno mental.
Ações de Moraes ganham proporção global: veja a linha do tempo dos embates
Reação do Itamaraty ao cerco contra Moraes escala tensão com EUA
Citando ordens de Moraes, Câmara dos EUA exige relatórios das big techs sobre censura
Censura e violência política fazem Brasil despencar 6 posições em ranking de democracia
Soraya Thronicke quer regulamentação do cigarro eletrônico; Girão e Malta criticam
Relator defende reforma do Código Civil em temas de família e propriedade
Dia das Mães foi criado em homenagem a mulher que lutou contra a mortalidade infantil; conheça a origem
Rotina de mães que permanecem em casa com seus filhos é igualmente desafiadora