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Aborto, homeschooling, vacina

Discurso ideológico que transfere poder dos pais ao Estado ganha força

Aborto sem conhecimento dos pais, exclusão dos responsáveis em decisões do governo sobre deficientes e perseguição àqueles que não querem vacinar os filhos contra a Covid foram algumas das investidas do poder público contra o poder parental. (Foto: Foto de CDC / Unsplash )

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Com a desculpa falaciosa de oferecer mais autonomia para crianças e adolescentes, o discurso ideológico de que o poder familiar deve ser submetido ao Estado cresce na tentativa de reduzir a autoridade de pais e responsáveis. A narrativa se fortalece no Brasil em muitas frentes, desde medidas contra pais que aderem ao homeschooling até a perseguição àqueles que se recusam a vacinar os filhos contra a Covid-19.

O movimento crescente de interferência estatal indevida sobre as famílias ficou ainda mais evidente com a polêmica resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que visa facilitar o aborto em casos de estupro em menores de 14 anos. A medida, que está suspensa liminarmente, prevê a realização do aborto sem o consentimento dos pais, o que viola a legislação brasileira.

Situações como essas levantam preocupações sobre a invasão do Estado em assuntos que deveriam ser definidos pelas famílias. “Essas decisões recentes são graves porque, ao constatar violações no âmbito familiar, pretendem substituir a família. Mas esse não é o caminho mais adequado. Mesmo em contextos vulneráveis, o ideal é oferecer assistência para que essas famílias passem a funcionar de maneira adequada”, avalia Marcelo Couto Dias, doutor em família pela UCSal e secretário da Família, Cidadania e Segurança Alimentar de Osasco (SP).

Constituição Federal reconhece a família como protagonista na proteção de crianças

Venceslau Tavares Costa Filho, professor de Direito Civil na UFPE, destaca que o poder parental é constituído por um conjunto de direitos e deveres dos pais em relação aos filhos menores, sendo a proteção das crianças e adolescentes um papel central das famílias.

“Essa crescente intervenção do Estado no ambiente familiar, na medida que quer tutelar a todos, contraria os princípios da própria democracia. A intervenção estatal no ambiente doméstico deveria ser realmente excepcionalíssima”, defende.

O professor reconhece que o Estado tem seu papel na proteção das crianças, especialmente quando não é garantida pela família. No entanto, alerta para o discurso distorcido que tem sido usado para justificar intervenções indevidas. “Essa tendência se verifica em situações como na época da Covid-19, com a determinação de vacinação compulsória ou a própria questão do homeschooling, que quer intervir na escolha do formato de educação dos filhos”, relembra.

Couto Dias reforça que a legislação brasileira coloca a família como protagonista da vida de crianças menores. Ele cita o artigo 226 da Constituição Federal, que determina ser “dever da família, da sociedade e do Estado” assegurar os direitos de crianças, adolescentes e jovens. “Há uma ordem e essa ordem respeita a proximidade com a criança. Quem está mais próxima da criança? A família. Depois vem a sociedade, a comunidade na qual está inserida, e o Estado”, ressalta.

O sociólogo ainda pondera que, embora haja violações de direitos das crianças em ambientes familiares, a solução não deveria ser a retirada do protagonismo da família.

“Pelo contrário, essas violações apontam para a necessidade de uma atuação mais efetiva do Estado na assistência e na proteção da família e na promoção de suas capacidades”, sugere. Ele acrescenta que, dessa forma, a família consegue cumprir seus deveres em relação ao desenvolvimento das crianças de forma compartilhada com a sociedade e o Estado.

Pais de crianças autistas são excluídos de reunião do governo

Outra situação que exemplifica a tentativa de exclusão de famílias diz respeito à luta pela educação inclusiva para pessoas com autismo. Segundo fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, em setembro, a secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), do governo Lula, realizou uma reunião com pessoas autistas na qual proibiu a presença de pais ou responsáveis.

A reunião com representantes da secretaria pertencente ao Ministério da Educação trataria da terapia ABA em crianças autistas. A medida teria sido justificada com base na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil, que incentiva a escuta direta das pessoas com deficiência. A exclusão das famílias levantou críticas de especialistas envolvidos na causa.

“Como você pode interpretar isso [prioridade no diálogo direto com pessoas com deficiência] para pessoas com autismo ou com deficiência intelectual? Não tem nenhum raciocínio [que justifique], neste caso, onde grande parte dos indivíduos não falam e precisam dos seus pais para representá-los”, questionou Lucelmo Lacerda, doutor em Educação e especialista em autismo, em um vídeo publicado no YouTube.

“Não estou dizendo que devam deixar de fora as pessoas com autismo, elas participam junto no debate. Agora, dizer que as famílias não devem participar deste debate e serem excluídas é irrazoável”, acrescentou.

Políticas públicas para fortalecer a família trazem mais benefícios ao Estado

A exclusão das famílias no debate não apenas compromete a efetividade das políticas públicas, mas também impõe um alto custo social e econômico, como destaca Couto Dias. “Para se ter uma ideia, a maioria das famílias vive com uma renda mensal inferior a R$ 3 mil. Agora, uma criança que depende um abrigo, ou seja, que há responsabilidade integralmente assumida pelo Estado, ela chega a custar cerca de R$ 8 mil por mês. Isso sem considerar custos afetivos, emocionais, etc.”, destaca. O impacto financeiro demonstra que, embora o discurso de exclusão das famílias esteja ganhando força, desafios práticos e econômicos limitam sua aplicação a curto prazo.

A Gazeta do Povo já mostrou que iniciativas como o aumento da licença-paternidade traz grandes benefícios para as famílias. Um estudo americano, que acompanhou crianças por 30 anos, e conseguiu prever, com 77% de precisão, quais crianças abandonariam a escola antes do ensino médio, concluiu que quanto maior for a qualidade do cuidado dos pais com os filhos nos primeiros 3 anos de vida, maior as chances de as crianças concluírem o ensino básico.

Brad Wilcox, sociólogo e autor do livro "Get Married: Why Americans Must Defy the Elites, Forge Strong Families, and Save Civilization", afirmou que o principal ator de mobilidade para que crianças saiam da pobreza é a estrutura familiar. "Crianças pobres que estão sendo criadas em comunidades onde há mais de dois familiares têm muito mais probabilidades de concretizar o sonho americano de ascender economicamente", afirmou recentemente Wilcox no programa Cátedra Jurídica da Gazeta do Povo.

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