Carla, Andréa, Rafaelly e Samantha são transexuais e venceram o maior dos obstáculos no mundo trans – conseguiram uma fonte de renda que passa longe do mercado de sexo. Carla Amaral, 34 anos, se encontrou profissionalmente na militância junto à ONG Marcela Prado. "De vergonha eu virei o orgulho da família", diverte-se. Ela já foi atendente de farmácia, cobradora de ônibus, balconista de locadora de vídeo, auxiliar de cartório, mas também profissional do sexo. "Não tive como agüentar a pressão da escola e do ambiente de trabalho."

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Das quatro entrevistadas, Andréa Lais, 25 anos, altíssima e bem-falante foi a que teve a trajetória mais linear. Ela resistiu ao chamado bullying escolar e não abandonou os estudos no Colégio Estadual do Paraná.

A identidade feminina foi assumida no final do ciclo médio. Formou-se em História, pós-graduou-se em História do Brasil. Há três anos é professora da rede pública estadual, no Capão Raso, onde é regente de 16 turmas, somando cerca de 600 alunos. "Não me preparei para enfrentar os professores e a sala de aula. Caí de pára-quedas. Preferi não pensar muito. Vi que as pessoas se espantam no começo, mas depois acabam aceitando. Minha única medida é sempre agir com profissionalismo", explica.

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Rafaelly Wiest, 24 anos, não teve muita êxito nos estudos. Agüentou até parte do ensino médio, quando desenvolveu ojeriza pelo ambiente escolar. Já no mercado de trabalho a história foi diferente. Rafa, como é chamada, fez carreira no ramo da panificação e chegou a liderar uma equipe de dez funcionários. Hoje é confeiteira numa rede de supermercados populares e tira R$ 1,2 mil por mês.

Foram pelo menos cinco empregos, três com carteira assinada e raríssimas saias-justas. Segundo Rafa, o segredo de tanta bonança é o seu temperamento discreto. "Os homens sempre acham que a gente vai dar em cima. Fico na minha. Graças a Deus nunca tive problemas."

O primeiro emprego de Samantha Wolkan, 37 anos, foi aos 13, quando ainda era Giovani: saiu de casa e pediu arrego num bordel. Seu trabalho era servir bebidas. Daí em diante, sua vida vira um daqueles enredos que fariam brilhar os olhos de cineastas, dramaturgos e escritores. De filho rejeitado se tornou arrimo de família. De desabrigado virou abrigadora. De sem família, se tornou mãe de uma menina abandonada, hoje com 9 anos. Num dos episódios mais incríveis dessa nada mole vida, Samantha ficou quatro anos na Itália, onde era uma espécie de governanta de 60 travestis brasileiros. Com o salário economizado fez uma operação de readequação de sexo – ao custo de US$ 10 mil – e ajudou a família.

Hoje, Samantha é militante do grupo trans Marcela Prado e é o que no meio se chama de dona de casa. Ela cuida de nove trans num apartamento do Centro e faz um trabalho doméstico de repasse de informação. Na moradia, as hóspedes são encorajadas a cuidar da saúde, a fazer exames, voltar a estudar e a procurar emprego. Samantha só perde a bossa quando lembra os tempos de escola. "Eu fazia recreio sozinha e ia para casa depois de todo mundo. Não gosto nem de lembrar."

Hoje à tarde, Samantha vai desfilar com asas de anjo e com a Constituição Brasileira nas mãos. Está toda prosa com a fantasia. "Vou simbolizar a liberdade de expressão." Palmas para ela.

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