No final de fevereiro, em encontro estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizado em Salvador, na Bahia, os participantes definiram dois nomes a serem apoiados pelo MST nas eleições deste ano: o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA) e a militante Vera Lúcia Barbosa, conhecida como “Lucinha do MST”. Enquanto Assunção tentará a quarta eleição consecutiva para a Câmara dos Deputados, Vera Lúcia buscará uma vaga na Assembleia Legislativa do estado.
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Todo o processo de escolha foi conduzido pelos dirigentes nacionais do movimento, Evanildo Costa e Lucinéia Durães. Ambos residem no município de Prado, no extremo sul da Bahia – umas das principais bases eleitorais de Valmir Assunção – e gozam, atualmente, de cargos no gabinete do deputado federal. Já Vera Lúcia, ex-dirigente nacional do MST, integrou o gabinete do deputado entre 2018 e 2020. Saiu para assumir a secretaria nacional de movimentos populares do Partido dos Trabalhadores (PT).
O aparente “jogo de cartas marcadas” é mais um exemplo do modus operandi que a alta cúpula do MST lança mão para manter um projeto de poder do PT no estado baiano – que já dura 16 anos, com quatro governos petistas consecutivos. É bastante comum que lideranças do movimento sem-terra no estado disputem cargos eletivos, principalmente como vereadores de pequenos municípios, ou figurem como assessores de políticos oriundos do movimento ou até mesmo em cargos no governo estadual, como foi o caso da “Lucinha do MST”, ex-secretária estadual nas gestões de Jaques Wagner e Rui Costa, ambos do PT.
Os produtores rurais passam a ser alvo de propagandas políticas no dia a dia dos acampamentos e assentamentos controlados pelo MST e, conforme denúncias publicadas pela Gazeta do Povo, em alguns casos são coagidos a votarem nos candidatos determinados pelos líderes. As imposições contribuem para a perpetuação do ciclo em que lideranças do movimento assumem cargos de poder e abrigam seus correligionários em funções de assessoria.
Tendo o MST como “máquina de fazer votos”, Valmir Assunção – natural de Itamaraju, no extremo sul da Bahia – mantém-se há 17 anos em cargos políticos, como deputado estadual (2005 a 2010) e federal (2011 até hoje). Apesar de suas bandeiras e de vários projetos de lei apresentados, o parlamentar não conseguiu aprovar nenhuma proposta exclusivamente sua que beneficiasse os produtores rurais.
Em uma década como deputado federal, apenas dois projetos de lei de sua autoria (individualmente) foram aprovados: um deles, que se tornou lei em 2018, inscreve o nome do paraibano João Pedro Teixeira, líder de um movimento social, no livro dos Heróis da Pátria.
Outra proposta de sua autoria que foi aprovada na Câmara, mas aguarda votação no Senado, propõe inscrever o nome de Dandara dos Palmares (esposa de Zumbi dos Palmares) no mesmo livro. O parlamentar também tentou a inscrição do guerrilheiro comunista Carlos Marighella no rol de heróis da nação, porém a proposta foi arquivada.
Em outros sete projetos de lei aprovados, o parlamentar aparece como coautor, junto a dezenas de outros deputados da bancada petista. A maioria cria medidas econômicas no âmbito na pandemia da Covid-19.
Alta cúpula do PT e do MST como assessores parlamentares
O gabinete do deputado em Brasília é composto principalmente por lideranças do PT e MST, incluindo integrantes da cúpula do partido na Bahia, a exemplo do vice-presidente e do secretário de finanças do PT no estado. Lá também constam ex-parlamentares, ex-integrantes do governo federal petista e ex-secretários do partido; parte deles exercendo ao mesmo tempo outras funções no partido, no MST ou em outros movimentos sociais.
O assessor que possui o maior salário do gabinete (R$13,2 mil) é o atual presidente do Diretório Municipal do PT em Alagoinhas e secretário de Finanças do partido Bahia. Em 2018, quando já era registrado como colaborador do deputado federal há quatro anos, doou R$2 mil para a campanha eleitoral de Valmir Assunção, conforme dados públicos do TSE.
Uma das diretoras do MST na Bahia que ajudou a conduzir o processo que definiu Assunção como o “candidato do MST na Bahia” para as eleições deste ano, que também figura entre os altos salários do gabinete (R$8,7 mil), foi outra a doar quantias durante a campanha do deputado; outros colaboradores também aparecem na lista de doadores.
Uma das assessoras, que está no gabinete do parlamentar desde 2013, atua na comunicação nacional do MST. Entre 2017 e 2019, ela recebeu mais de R$ 50 mil do MEC em bolsas de pesquisa, sendo o MST e a “elite ruralista” os objetos centrais de seus artigos científicos.
Casos de violência
Mesmo com patrimônio estimado em R$ 1 milhão conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) referentes às eleições de 2018, Assunção é beneficiário da reforma agrária. Sua condição não é ilegal, uma vez que a lei autoriza que o beneficiário permaneça no local mesmo após sua renda ultrapassar o teto solicitado no momento da adesão do programa de reforma agrária.
Desde 1987, ele tem direito a explorar uma área dentro do assentamento Riacho das Ostras, que fica no extremo sul da Bahia. Nos últimos anos, a região tem sido palco de diversos episódios de violência por parte de militantes do MST contra produtores rurais que buscam regularizar as terras para tentarem obter os títulos de propriedade, isto é, para enfim terem direito à posse dos lotes. O movimento é contrário à busca dos agricultores por terem suas terras, alegando que as terras devem ser coletivas e não privadas.
De acordo com produtores rurais procurados pela reportagem, o deputado tem ciência das agressões e mantém ligação bastante próxima com lideranças acusadas de ordenar ou participar dos ataques. Evanildo Costa (cujo nome verdadeiro é Oronildo Loures Costa) e Lucinéia Duraes – assessores do deputado mencionados no início da reportagem – foram denunciados como participantes de um ataque violento a duas famílias do assentamento Fábio Henrique, em Prado, no ano passado. Seus nomes constam no inquérito policial como investigados.
Bastante frequentada por Assunção, a região do extremo sul da Bahia é uma das mais importantes para o MST em todo o Brasil. Lá residem diversos líderes estaduais e nacionais do movimento. O assentamento Jacy Rocha, do qual foram expulsos vários agricultores que decidiram não mais “seguir a cartilha” das lideranças no assentamento, é considerado a “menina dos olhos” do MST na região. Em novembro do ano passado, o local foi escolhido para o lançamento de um filme do guerrilheiro Carlos Marighella com a presença do diretor do filme, Wagner Moura, além de outros atores pró-MST, como Bruno Gagliasso e José de Abreu, e familiares do líder comunista.
Supostas tentativas de impedir ações policiais contra lideranças do MST
Ex-militantes do MST que residem no município de Prado falaram à Gazeta do Povo sob condição de anonimato, por receio de represálias, sobre suposta interferência do deputado para impedir ações de agentes das polícias militar e civil na região em denúncias contra líderes do movimento sem-terra. De acordo com os relatos, policiais das duas corporações são impedidos por superiores de agir em denúncias de crimes envolvendo integrantes do movimento.
“Os próprios policiais orientaram aos acampados quando houve os ataques ao seu Valmir e à dona Vanuza e, por último agora, ao seu Manoel e à dona Maria, que pegassem as coisas e fossem embora porque eles estavam ali só para marcar presença, mas estavam impedidos de agir em favor dos acampados, porque deram ordem para não fazerem nada contra lideranças do MST”, disse uma assentada que recentemente rompeu com o movimento.
Um servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que atuou na região do extremo sul da Bahia e também falou à reportagem sob sigilo, endossou a alegação. “Já tivemos ciência de casos de delegados que foram transferidos quando começaram a aprofundar em investigações e de policiais militares que também foram transferidos quando começaram a ser mais firmes com esses integrantes”. Segundo seu relato, há influência direta de Assunção com o governo baiano, de Rui Costa (PT), para evitar prosseguimento em determinadas apurações.
O delegado da Polícia Civil Teodoro Ribeiro afirmou à reportagem ter sido alvo de retaliações após fazer uma operação no município de Iguaí, ainda em 2010, que prendeu dez integrantes do MST que estavam em um comboio a caminho de uma área que seria invadida. Segundo seu relato, no momento das prisões foram apreendidas armas e munições de diversos calibres. Os presos foram indiciados por vários crimes, como formação de quadrilha armada, porte ilegal de arma de fogo, corrupção de menores, resistência, esbulho possessório, entre outros.
Ribeiro afirma que dias depois da operação, Valmir Assunção foi até a delegacia de Iguaí na companhia de aproximadamente dez homens para visitar um dos presos, que era uma importante liderança do MST e candidato a vereador no município. “Ele estava com um advogado e um candidato a prefeito da cidade, que era filho desse advogado, e outros caras altos e fortes na tentativa de me intimidar. Ele disse que era representante do povo e que queria ter acesso aos presos. Disse também que nós havíamos plantado as armas para incriminar os militantes”, afirmou Ribeiro.
Uma vez que o parlamentar não era advogado ou parente de nenhum dos presos, o pedido de visita foi recusado. Dias depois, os presos foram soltos pela Justiça. Segundo o delegado, o promotor de Justiça descaracterizou quase todos os crimes que haviam sido colocados no inquérito, deixando apenas o porte ilegal de armas de fogo.
A defesa dos militantes, no entanto, passou a acusar o delegado de ter plantado armas nos carros dos suspeitos e de ter furtado lonas de caminhão que estavam no veículo. Como consequência, foi dado início a um processo administrativo contra Ribeiro, que também foi removido da delegacia em que estava e foi direcionado ao município de Potiraguá, a 130 km de Iguaí.
“Sempre ficamos sabendo de relatos de produtores que têm suas fazendas invadidas por sem-terras e que dizem que os delegados não fazem nada. Os delegados acabam não fazendo não porque são ruins, mas porque têm medo das retaliações”, diz Ribeiro.
Outro caso que ilustra possíveis impedimentos de agentes de segurança da região de fazerem seu trabalho foi mostrado recentemente pela Gazeta do Povo. Um inquérito que apurava o envolvimento de lideranças do MST em um ataque a agricultores, ocorrido em abril do ano passado, foi retirado da delegacia do município a pedido da Corregedoria da Polícia Civil.
A investigação, que também apurava a participação de dois assessores de Valmir Assunção no ataque, foi encaminhada à 8ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin), em Teixeira de Freitas – cidade que fica a oitenta quilômetros de Prado – onde está parada há quase um ano.
Outro lado
A Gazeta do Povo contatou o deputado Valmir Assunção e abriu espaço para contrapontos às alegações das fontes consultadas. Até o fechamento desta reportagem, a assessoria do parlamentar não encaminhou as informações, que serão acrescentadas caso sejam enviadas. A Polícia Militar da Bahia, procurada, também não se pronunciou sobre o caso até a publicação desta reportagem.
A Polícia Civil da Bahia, por outro lado, negou, por meio de nota da sua assessoria de imprensa, que houvesse interferências externas que dificultassem o trabalho da corporação nos casos citados. Em relação aos ataques de abril de 2021, a Polícia Civil informou que dezesseis pessoas foram ouvidas e que "guias para perícia em local de ação violenta e de lesão corporal foram expedidas, entre outras diligências que estão sendo realizadas". Sobre a ação violenta de fevereiro deste ano, a Polícia Civil afirmou que as vítimas foram ouvidas, "guias para exames de lesão corporal foram expedidas e que diligências estão sendo realizadas para identificar e localizar o suspeito do ataque a casa dos idosos". Segundo a nota, as ocorrências estão sendo acompanhadas pela 8ª Coorpin, de Teixeira de Freitas.
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