Preciso de sua ajuda, caro leitor. Passei uma tarde em companhia do empresário de transportes Valmor Weiss. E tenho em mãos sua biografia O prisioneiro da cela 310 , escrita por Milton Ivan Heller. Mas ainda piso em ovos: gostaria de saber qual a chave da vida desse homem pequeno, falante qual o quê, um sujeito que aos 74 anos pode dizer tal como Neruda "Confesso que vivi".
Tenho palpites. Valmor se tornou quem é por que lhe deram confiança e confiado ele é. Aos 11-12 anos, garçom num restaurante, um freguês lhe ensinou, em 20 minutos, o que era a maçonaria. O guri catarina de Rio do Sul se deu conta naquele dia de que seu país tinha uma história de Pedros e Bonifácios. Retirou os copos, passou pano na mesa e saiu para a cozinha como se estivesse de ida à Guerra do Paraguai.
Pouco tempo depois, em 1953, já em penugens de bigode, outra conversa dada: numa viagem de ônibus a Camboriú, sentou-se por acaso ao lado de um jornalista. Em seis horas de estrada, o desconhecido lhe deu um curso intensivo sobre Marx, reforma agrária e "remessa de lucro". "Era o Luiz Geraldo Mazza", conta.
Mas o segredo de Valmor, sei não, pode estar na caridade de estranhos. Nos tempos de penúria, à mercê dos vinténs da mãe parteira e benzedeira, devorou o sanduíche que uma mulher lhe deu ao vê-lo com cara de fome. Teria ali decidido ser rico quando crescesse?
Jovem, outra benesse: ganhou carona de graça num Ford 1946 apinhado de mangas e deixou Paraíso do Norte, no Norte do Paraná uma das cidades de sua errância. Desceu em Curitiba, abrindo o Mar Vermelho de sua existência. Aqui, já adulto e de braço com Marlene Gasparin "com quem estou casado há 43 anos, 6 meses e 17 dias" outro anjo: um gerente de banco nunca visto mais gordo lhe deu crédito, sem mais nem por quê para que comprasse 12 carros, dando início ao império de Weiss.
Pois é, numa versão mais absurda, eu diria que Valmor foi assim tão longe por causa das frutas. Depois da temporada na cadeia como preso político do regime militar, viu-se fazendo coro com Gilberto Gil em "Aquele abraço". Pegou os 34 cruzeiros que tinha no bolso e foi vender bananas na Rua Mateus Leme. Escolheu as pencas mais bonitas. Fez 48 cruzeiros no primeiro dia. O Empório Weiss desembestou. Tinha até o Cecílio do Rego Almeida como freguês. E pasmem, foi ali, no meio das caturras e nanicas que reviu a mulher do sanduíche, aquela. Nada lhe cobrou. Tinha se tornado um homem bom.
O que inspira outra hipótese as virtudes de Weiss são sua fortuna. Compadecido de uma freguesa, mãe de meninas que não enxergavam, criou a Fundação da Criança Cega da Rua Holanda, e uma casa para contaminados pelo HIV e isso e aquilo. Mas sei não houve na vida de Weiss os jornais. Fala dos impressos com a paixão dos publicistas. Foi culpa da imprensa acho.
Eu conto: Valmor era sargento e tinha um Vanguard quando conheceu a turma do jornal Última Hora, em Curitiba. Experimentou a boemia, as delícias da escrita e ajudou os colegas a darem uma manchete, pelando, sobre o Exército. Pagou caro: acabou preso com requintes. Era, afinal, um homem de farda. Lembra com emoção os jornais que lhe chegavam à cela 310, cheios de furinhos. Não entendia por quê: até ir somando as letrinhas que faltavam e entender que formavam uma frase: "Você não está só".
Desculpe confundi-los, mas só depois disso é que vieram as bananas, os cegos e o gerente de banco. Mas suspeito que Valmor Weiss fique mais rico sem trocadilhos se olhado de canelas para o ar, pois o labirinto é a rodovia por onde circula a bordo dos incontáveis carros que têm.
E cá entre nós, de todos os Valmores, porreta pacas é o menino endiabrado que levava reguadas da professorinha. Alemãozinho de colônia, chamavam-no de Bugrinho. Chegou-se a achar que um seminário, em Ascurra, o curaria. Mas na mala do enxoval os padres encontraram um estilingue. Bastou para que lhe mostrassem o caminho da porta. O lugar daquele piá era o mundo, que enfrentou quase que brincando, mas com pedras à mão.
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