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 | Sossella
| Foto: Sossella

A primeira coisa que elas observam é se as bonecas têm calcinha: nenhuma pode chegar sem a peça íntima. Depois a atenção vai para as gêmeas: todas querem cuidar de duas bonecas iguais e ao mesmo tempo. No Hospital Pequeno Príncipe, a alegria da crianças, em especial das meninas, é receber as bonecas que foram reformadas pelas mãos de Fanny Luhm, 73 anos. As pequenas não conhecem Fanny nem pelo nome, mas com certeza sentiriam a falta dela se ganhassem as bonecas no estado em que elas foram entregues para doação. Algumas chegam sem as pernas e outras com os olhos virados. O cabelo então, nem se fala: é preciso muita escova e creme para pentear.

Há dez anos, os fundos da casa onde Fanny mora virou um ateliê para a reconstrução de bonecas. Nem ouse questionar quantas já foram reformadas porque a resposta é certeira: "Já perdi as contas". "São muitas e de diversas nacionalidades que chegam aqui", explica Fanny. Todas, sem exceção, antes passam por um ritual de reforma para serem entregues com dignidade à meninada do Pequeno Príncipe. Tomam banho, lavam bem os cabelos e vão para a seleção de roupas. "Nenhuma é igual a outra. Às vezes demoro um mês analisando a boneca para saber o que vai combinar com ela", conta Fanny. Algumas ganham braços novos e um cabelo diferente. O pé quebrado, que não tem conserto, precisa de uma botinha ou sapatinho especial para esconder que aquela boneca provavelmente estaria no lixo se não fosse a boa vontade de Fanny.

A voluntária consegue a façanha das transformações com a doação de grandes retalhos das malharias e das amigas. Ela mesma compra alguns acessórios e faz a pintura dos rostos que antes estavam desfigurados. O amor pelas bonecas é de infância, diz Fanny, mas o voluntariado apareceu na vida dela após um pedido especial da filha. "Ela trabalha no hospital, também como voluntária, e sempre dizia que os brinquedos dos meninos eram mais bonitos do que os das meninas. Aí resolvi ajudar", explica.

As habilidades para a reforma Fanny ganhou quando ainda era pequena. "Antigamente as meninas montavam as próprias bonecas em casa. Não é como hoje", lembra. No pequeno ateliê já passaram bonecas loiras, morenas, índias, espanholas e gigantes que chegam a ser maiores que as próprias crianças. As que chegam rasgadas são costuradas e enviadas ao hospital assim mesmo. "Deixamos desse modo para que as meninas percebam que as bonecas também passam por situações como as delas. Aí elas se sentem iguais, como se todas estivessem fazendo o mesmo tratamento."

As bonecas mais bonitas visitam os quartos das crianças que passaram por um trauma maior. Algumas delas também são separadas para serem vendidas em um bazar beneficente do qual Fanny faz parte. "No começo elas chegam todas descabeladas e sem roupa. Não representam nada para mim. Depois fico encantada com os resultados. De algumas delas eu sinto falta." Ao contrário do que muitos pensam, Fanny não quer ser reconhecida ou chamada de heroína. "Você não sabe o que se joga fora aqui no Brasil. É preciso que alguém faça alguma coisa para evitar o desperdício", fala.

Serviço: As bonecas para reforma podem ser doadas no Hospital Pequeno Príncipe. O Bazar Solidário do Graciosa Country Clube, onde são vendidas as bonecas reformadas por Fanny, ocorre nos dias 1.º e 2 de dezembro no salão de festas do clube. Endereço: Rua Munhoz da Rocha, n.º 1.146 – bairro Cabral.

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