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Vanessa, Eduardo e Debora: comunidade da Quinta da Videira transforma lixo orgânico em horta e  usa apenas um  carro | Fotos: Marco André Lima/Gazeta do Povo
Vanessa, Eduardo e Debora: comunidade da Quinta da Videira transforma lixo orgânico em horta e usa apenas um carro| Foto: Fotos: Marco André Lima/Gazeta do Povo

URBANISMO

O mito da autossustentabilidade

Na opinião do diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Carlos Hardt, cidades totalmente autossustentáveis não existem, pois sempre será preciso importar bens e serviços. "Já houve tentativas, mas isso ainda não se mostrou viável", resume. Por outro lado, o especialista acredita que soluções como as adotadas pela Casa da Videira ajudam a reduzir o impacto e melhorar a qualidade de vida.

"Por uma questão de escala, não conseguimos ter um nível de equilíbrio em uma grande metrópole. Mas vamos imaginar que cada cidadão consiga reciclar um quilo de resíduo por semana. Isso representa 3,5 milhões de quilos de resíduos por semana", compara Hardt, referindo-se à população da Grande Curitiba. Mas, diz ele, as pessoas de um bairro inteiro não têm a homogeneidade de uma pequena comunidade. Porém alguns procedimentos podem ser adaptados para alguns setores.

De acordo com Fabiana Skrobot, coordenadora dos Observatórios do Senai-PR, em 2030, 80% da população mundial viverá em cidades. "Este forte crescimento da população urbana exigirá que as cidades que queiram se tornar mais sustentáveis desenvolvam novas soluções de infraestrutura, de residência, de vida e de participação coletiva", ensina.

Para ela, ainda vivemos em um modelo de cidade do século 20, apesar de, cada vez mais, surgirem ideias e propostas inovadoras. "Muitos projetos, no entanto, acabam sendo concebidos com base apenas nas necessidades do presente e não do futuro", pondera. Carlos Hardt, por sua vez, acredita que o principal gargalo do planejamento urbano no Brasil está na má gestão das grandes cidades. "Alguns municípios são administrados de uma maneira que não cabe mais. Uma prefeitura não é uma empresa nem uma família. Não dá para administrar uma cidade na base da intuição."

  • As cabras estão entre os animais mantidos pelos grupo de 25 pessoas

No tempo dos nossos avós, o lixo não virava lixo – virava comida de galinha. Além de ter carne e ovos fresquinhos todos os dias, o pão, o leite e o queijo eram doados pelos vizinhos, que em troca recebiam laranjas, limões e o que mais tivesse no quintal. O esterco se transformava em adubo para a horta das famílias. E o ciclo se repetia.A poucos quilômetros do centro de Curitiba, no bairro Mossun­­guê, a cena acima ainda pode ser vista. Ao menos na Quinta da Videira, uma espécie de mini chácara autossustentável e "quartel general" do coletivo Casa da Vi­­deira, um grupo formado por 25 pessoas que, ao adotar soluções simples, do tempo da vovó, parecem estar anos adiante no que diz respeito a preservar os recursos naturais. Cada família dedica-se a estudar um tema específico, como sustentabilidade, mobilidade e segurança comunitária. Depois, todos compartilham informações.

Soluções

Em tempos de aquecimento global, mudanças climáticas e uma busca desesperada por novas soluções para diminuir o impacto das grandes cidades sobre a natureza, essa turma recicla o próprio lixo, cria animais sem incomodar a vizinhança e usa apenas um carro – só para citar algumas iniciativas ambientalmente corretas. "Que­remos fazer com que o nosso jeito de ser, nossa vida, seja uma boa notícia para os outros", resume o pedagogo Eduardo Feniman. Ele e a esposa, Debora, também pedagoga, moram na Quinta e dedicam-se exclusivamente à comunidade, o que inclui cuidar de galinhas, cabras, coelhos e da horta no fundo do quintal.

Nos canteiros, o lixo orgânico dos vizinhos transforma-se em beterrabas, couves, cenouras e muito mais. "Aqui tem três toneladas de lixo. Você está sentindo cheiro?", pergunta Eduardo, sem esconder um sorriso ao ver a cara de espanto do repórter. Além das hortaliças, eles produzem pães, conservas, molho de tomate e geleias. Compram algumas frutas, grãos e açúcar. Uma vizinha, que tem uma vaca, doa o leite.

O professor de Administração Rene Seifert, a esposa dele, Va­­nessa, e o pequeno Oliver, 1 ano, também integram a Casa da Vi­­deira. Rene estudou na Ingla­­terra e conta que chegou a adotar lá fora ideias surgidas na comunidade. O casal de classe mé­­dia está há cinco anos sem ter um carro próprio. "Te­­­mos um carro coletivo, uma kombi", diverte-se.

Mesmo morando em apartamento, é possível adotar soluções ecologicamente corretas. "Temos a lixeira viva [equipamento compacto e simples, que faz a compostagem do lixo orgânico através da ação de minhocas, sem cheiro] e horta também. Tenho alface, escarola, rúcula, temperos", enumera Vanessa. Debora diz que até o lixo do banheiro na Quinta é processado. Ele é queimado e as cinzas vão para os canteiros. Ela reconhece, no entanto, que o ritmo moderno nem sempre facilita mudar o estilo de vida. "Hoje em dia as pessoas buscam pelo mais fácil. Até porque trabalham, passam o dia fora de casa", pondera. Mas a pedagoga acredita que com um pouco de força de vontade é possível mudar hábitos – como diminuir o uso de embalagens descartáveis. Na Casa da Videira, os alimentos são comprados a granel e guardados em potes de vidro, caixas e outros recipientes de uso prolongado.

Para Eduardo, antes de tudo as pessoas precisam resgatar um espírito de coletividade. Só desta forma soluções "verdes" podem ser im­­ple­­­mentadas em maior escala nas cidades. "Num apartamento, talvez eu não consiga produzir mi­­nha comida, mas em sinergia com outros isto é possível", conclui.

BONS EXEMPLOS

Algumas cidades pelo mundo que adotaram medidas sustentáveis:

Wallington

A eco-vila conhecida como BedZED, localizada no sul de Londres, na Inglaterra, é um exemplo de comunidade sustentável. As cerca de 80 residências do bairro foram todas construídas com madeira certificada e aço reciclado. As casas foram projetadas para otimizar a luz do sol e armazenam água da chuva para a descarga dos vasos sanitários. O local também possui tratamento de esgoto próprio.

Barcelona

A cidade espanhola foi a primeira cidade europeia a ter uma lei de energia solar térmica, que entrou em vigor em 2000 e obrigou a utilização de energia solar para abastecer 60% da água quente em todas as novas construções. Além disso, a cidade ampliou em 20 vezes a área de superfície de painéis solares.

Chengdu

A cidade chinesa, de quase 5 milhões de habitantes, deu início em 1993 a um projeto de revitalização integral dos rios Nan e Fu. Com parcerias entre os setores público e privado, o governo promoveu a conscientização da opinião pública e removeu mais de 30 mil famílias das margens dos rios, que tiveram a maior parte de seus leitos restaurados. O projeto serviu de modelo para outras cidades da região.

Houston

Com mais de 2 milhões de habitantes, a cidade dos Estados Unidos lançou um programa para melhorar a qualidade de vida dos moradores, reduzindo o consumo de energia e as emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. A ação reduziu o consumo de energia em 641 residências através de uma maior eficiência energética e economizou 1,1 mil toneladas de CO2.

Serviço:

Acesse o blog da Casa da Videira (www.umaquintanacidade.wordpress.com) e aprenda a fazer uma mini usina de compostagem de lixo.

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