Dois oficiais da assistência jurídica do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC) do 1º Comando do Exército no Rio são acusados de montar, dentro do Palácio Duque de Caxias, quartel-general do Comando Militar do Leste, uma espécie de balcão de venda de pareceres. A assistência jurídica do SFPC analisa e elabora pareceres sobre irregularidades encontradas nas fiscalizações feitas em empresas que trabalham com armas, munições e explosivos no estado.
De acordo com a denúncia, o tenente-coronel Cristiano Lemes Garcia, chefe do setor de assistência jurídica, e o primeiro-tenente Luciano Sant’Anna Balzano estariam recomendando aos empresários sob fiscalização os serviços da empresa BC&G Advogados Associados, como forma de evitar a cassação de registro de suas atividades.
Ainda de acordo com a denúncia, a BC&G cobra entre R$ 2 mil e R$ 20 mil para fazer a defesa nos processos administrativos e atende em dois endereços no Rio. Um deles, a sala 404, bloco 3, do edifício 850 da Avenida João Cabral de Melo Neto, na Barra, está no nome dos dois oficiais, que também são responsáveis pela análise dessas mesmas defesas.
As denúncias contra os oficiais foram encaminhadas pelo próprio chefe do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército, coronel José Carlos de Andrade Maranhão, ao chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Leste. Este, por sua vez, determinou a instauração imediata de sindicância interna. O caso também foi encaminhado à Procuradoria Militar, que instaurou inquérito policial-militar para apurar o esquema.
Entre as testemunhas ouvidas na sindicância interna, está o empresário Carlos Flores, que não aceitou os serviços da BC&G e foi condenado num processo administrativo à perda do registro. Ele é dono de um centro de instrução de tiro e de um clube de atiradores. Flores está sendo cassado por causa da apreensão, em seu estande de tiro, de 223 projéteis de calibre 45 para recarga de munição e de dois canos antigos de .50, que estavam no local desde a criação do clube, em 1999.
“Eles disseram que minha empresa põe em risco a segurança (dos frequentadores). Só que esses canos de armamentos são muito antigos e pesam 40 quilos. Seria a mesma coisa que apreender um trem de pouso sob a alegação que poderiam construir em cima um avião de caça”, ironizou o empresário.
Segundo ele, em novembro de 2013, os fiscais entraram sem autorização em sua propriedade, que funciona dentro de sua fazenda em Quatis, num momento em que o clube estava vazio. Eles fizeram a apreensão e lacraram o local, sem identificar o responsável pela operação. Para o empresário, houve invasão de domicílio.
“Só quatro meses depois fui chamado para o processo administrativo. Ao chegar lá, o tenente Balzano afirmou que eu perderia o meu registro. Ele ainda reclamou do meu advogado e o proibiu de fazer anotações que pudessem me ajudar na defesa no processo. Depois dessa audiência, fiquei sabendo por outros empresários sobre esquema da BC&G. Cheguei a procurar pelos serviços desse escritório, mas eles me cobraram R$ 13 mil, e eu desisti. Fui condenado à perda do registro. Tenho certeza de que, se eu tivesse pago, sairia de lá com uma simples advertência”, diz.
Num outro caso de suposta extorsão, o advogado Ary Brandão de Oliveira contou que seu cliente, o comerciante Fernando Mattos, desembolsou R$ 9 mil para pagar os serviços do escritório BC&G, sem receber sequer uma cópia da defesa elaborada.
“Não há sequer provas de que esse escritório faça uma defesa de fato. Eles não dão recibo. Esses oficiais intimidam os proprietários para que procurem esse escritório. Encontramos casos em que, depois de buscar os serviços desse escritório, o problema foi resolvido em 15 dias. Outros chegam a demorar anos”, detalhou Ary Brandão.
Em sua defesa no inquérito, o tenente-coronel Cristiano Lemes Garcia alegou que não é coproprietário do imóvel na Barra. Disse ainda que seu nome foi inscrito no registro de imóveis “à sua revelia”, por meio de uma procuração que teria passado para o sogro do tenente Balzano. Segundo o acusado, assim que tomou conhecimento do caso, ele entrou com uma ação na Justiça para anular o ato jurídico da compra do imóvel. No entanto, a assinatura na escritura de compra e venda, registrada no 8º Ofício de Notas, é do próprio Cristiano Garcia.
Os dois oficiais acusados foram procurados pelo GLOBO por meio do Exército, que se limitou a informar que há um inquérito em andamento. Já no prédio da Barra onde fica um dos endereços da BC&G, funcionários da recepção disseram que não há qualquer atividade na sala 404.