Existem dois tipos de aviadores de primeira viagem: os que jamais pensam que vão cair e os que somente pensam nisso. Quando o caso é um salto de paraglider a partir do Morro do Boi, em Matinhos, Litoral do Paraná, facilmente os que têm medo se convertem no primeiro grupo, porque a trilha é tão íngreme, estreita e irregular que, após subir os 95 metros até o cume, voltar pelo mesmo caminho deixa de ser uma alternativa. O cansaço vence e você passa a pensar que despencar é improvável.
Antes de subir, é difícil ter noção do esforço físico a ser empreendido para se chegar até a principal zona de salto do Litoral do estado. Como batismo, os novatos ainda carregam o equipamento com o qual voarão pela primeira vez. A mochila de 25 quilos, que se estende da nuca ao joelho, compensa pela capacidade de chamar a atenção. Andar pelo calçadão carregando uma vela de paraglider nas costas arranca olhares de admiração dos veranistas. Você acaba se sentindo o dono da praia. Mas a vaidade tem seu preço.
Por causa do peso, é necessário fazer três vezes mais esforço a cada degrau escalado, sob o risco de ser puxado para trás e cair. Quanto mais se avança na "escalada", mais frequentes e demoradas se tornam as pausas para descanso. Se no início a preocupação era não sujar os tênis no barro, um pouco mais tarde você acaba se segurando com todas as forças em galhos e pedras enlameadas.
O colega de aventura é o piloto e comerciante Marcelo Lessa Derci, de 42 anos. Praticante de paraglider há três, ele conta com algumas subidas ao Morro do Boi.
Desafio
Ainda no fim da trilha, há um paredão de pedra de quatro metros que interrompe a caminhada antes do cume. Marcelo teve de assumir a mochila, segurou no cipó e escalou com os pés na rocha. Para quem nunca praticou, a subida parece irrealizável. "Tinha outro caminho sem precisar subir", informou ele com atraso.
Marcelo é um piloto que inspira segurança. Suas piadas prontas sugerindo falta de experiência têm efeito inverso. Alguém que brinca com a possibilidade de desastre está certo de que nada vai ocorrer. "A descida é bem mais fácil", garante ele.
Após a chegada, uma pausa para descanso de 20 minutos, depois foi só se preparar para o voo. A partir desse momento, os movimentos são cegos; as instruções são seguidas, mas é difícil saber o que vai ocorrer em seguida.
Foram três tentativas de decolar, sem sucesso. Não batia vento na vela, que acabou embolando e precisou ser reaberta. Num dos piques, a desistência ocorreu faltando apenas um metro para o precipício. Surge meia dúzia de ajudantes. Então, basta um puxão de Marcelo para que o paraglider assuma a posição vertical. O vento forte do morro iça o paraglider para cima quase em linha reta. O voo é bastante estável não há chacoalhão. Durante vinte minutos, dá-se voltas em frente ao morro, "surfando" a corrente de ar a uma velocidade que varia entre 18 e 60 km/h, conforme a posição em relação ao vento. As ondas do mar parecem se aproximar em câmera lenta, extinguindo-se aos pés de minúsculos guarda-sóis e veranistas imóveis. "É uma paz que Deus manda", define Marcelo.