| Foto: Felipe de Lima

Depois de tantas reclamações que ouviu dos veranistas, o Sol resolveu chamar São Pedro pra um particular. Papo reto, cara a cara, de astro-rei pra santo. Era preciso aparar as arestas. Porque aquele clima – tanto o meteorológico quanto o de relacionamento entre os dois – não podia continuar do jeito que estava.

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Onde já se viu, São Pedro querer mostrar trabalho bem no verão, mandar aquela água toda justamente na praia, eterno quintal do Sol? Era muito abuso.

Tudo bem que o vizinho de céu tem lá sua intimidade com o Homem. Mas mesmo pra uma entidade beatificada existem lá seus limites, inclusive os de ordem pluviométrica. Afinal, como o Sol poderia cumprir todas as suas metas de verão com aquela chuvarada? São milhões e milhões de corpos a serem bronzeados, um número sem fim de crianças a entreter, uma programação extensa de passeios, eventos familiares, shows musicais... Não dá pra deixar essa gente toda na mão.

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– São Pedro, com todo o respeito que tenho pelo senhor, preciso da sua colaboração. O senhor precisa dar um tempo nessa chuva na praia.

– Desculpa, Sol, mas ando com muita água acumulada nas nuvens. Tenho que dar vazão ao estoque.

– Mas não dá pra ser em outra época do ano? E de preferência em outro lugar que não seja a praia? Poxa, as pessoas esperam o ano todo pelas férias no Litoral, aí o senhor me manda toda essa água...

– Entendo o seu lado. Mas este está sendo realmente um ano bastante atípico, meu caro. Veja pela minha planilha (São Pedro vira o notebook para o Sol com a tela mostrando um gráfico quase todo preenchido de bolinhas azuis, indicando as áreas com excesso de nuvens carregadas). Como disse, a produção nesta temporada foi muito grande. Estou sendo cobrado o tempo todo para girar o estoque, meu caro.

– Mas não dá pra enviar essa cota extra pra outros lugares? Sei lá, talvez o sertão, onde o povo realmente precisa dessa água.

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– Aí o problema é de ordem logística. Como as nuvens estão muito carregadas, não tenho como percorrer toda essa distância. O risco de elas se romperem no trajeto é muito grande. Aliás, foi o que aconteceu esses dias. Comecei a manobra pra tirá-las do Litoral e no meio do caminho elas estouraram exatamente em São Paulo. Aquele caos... Cheguei a levar advertência do meu Superior...

– Então o que podemos fazer?

– Se você me permite uma sugestão...

– Diga.

– Por que você não aumenta sua intensidade? Isso ajudaria a evaporar mais rápido o meu estoque de água.

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– Não posso. Meu sistema é uniforme. Se aumento a intensidade, a temperatura sobe pra todo mundo. E aí não haveria inverno no hemisfério norte. Iria desregular todo o sistema, que já anda me dando um trabalho danado com esse negócio de aquecimento global.

– Entendo.

– O senhor não tem nenhuma outra ideia?

– Ter, eu tenho...

– O quê?

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– A maioria dos vendedores de guarda-chuvas é minha devota. Se quiser, no momento da oração, faço uma aparição e peço a eles pra darem um desconto pra esse povo.

– De quanto?

– Ah, um bom desconto. Afinal, eles também querem se livrar do estoque...