Os circos tradicionais, geralmente formados por uma mesma família que repassa o conhecimento de geração em geração, são cada vez mais raros. Embora não haja um registro atualizado de quantos espaços assim ainda funcionam no país, um estudo da Fundação Nacional de Artes (Funarte) estima que, em 2009, havia 500 circos de pequeno, médio e grande porte no Brasil. Um desses está se apresentando no balneário Praia de Leste, em Pontal do Paraná.
A trupe do Circo Fantasy é formada por cerca de 20 pessoas da mesma família. Elas vivem de peripécias e malabarismos desde a época dos tataravós da geração mais nova, que agora sobe ao picadeiro. Não dá pra dizer onde tudo começou, já que cada integrante da família nasceu em um lugar diferente do Brasil.
Bolhas de sabão
Gabriel Olguin Aranda é uruguaio, mora no Brasil há 12 anos e se apresenta como palhaço, trapezista e "homem-aranha." Nos intervalos, vende "fazedor de bolhas de sabão". Suas filhas, Tauane e Taila, praticamente nasceram em um picadeiro. Hoje Tauane se apresenta com o pai em um show de malabarismo, enquanto Taila faz piruetas com até seis bambolês enroscados no corpo.
O circo deve continuar percorrendo os balneários e cidades do Litoral paranaense até o fim da temporada. A apresentação conta com shows de mágica, palhaços, contorcionistas, malabaristas, trapezistas e outras atrações. Para comer, há pipoca, algodão-doce e churros de doce de leite. E tudo é vendido pelos próprios artistas, já que, para trabalhar em circo, é preciso fazer malabarismos. Literalmente.
Mágico e fujão
O "intruso" na família que se apresenta no Circo Fantasy é Lorran Santana, que faz shows de mágica junto com a esposa Elka e os filhos Lorran Jr., de 9 anos, e Lorrana, de 15. Lorran, há 30 anos no ramo, se lembra de como virou artista. "Estava entediado com a vida monótona que tinha no Sergipe. Uma vez passou um circo por lá e eu resolvi ir embora com ele", conta. Lorran tinha 13 anos.
O sergipano começou como palhaço, mas ajudava os mágicos e acabou aprendendo os truques. Com o tempo, pegou tanta prática que foi chamado para fazer aparições no programa A Praça É Nossa, do SBT. Mas passou por muitos lugares: em sua época de locutor do circo do Beto Carrero, ele conheçou a esposa, que era bailarina. Os dois passaram 15 anos em Curitiba, longe do circo. Mas voltaram. "Quem é do circo nunca sai do circo."
Nos intervalos, Lorran e Elka tiram as roupas brilhantes, colocam aventais e vendem churros. "É o complemento da renda de todo mundo", diz o mágico.
Realidade
Na dura vida de artista de circo, recompensa vem do público
Em um mundo televisionado e hiperconectado, os artistas de circo fazem parte de um pequeno grupo que ainda mantém alguma aura de mistério. É difícil imaginar, por exemplo, que a trapezista pode sofrer na fila do ônibus. Ou então que talvez ela não tenha dinheiro para pagar as contas no fim do mês. No imaginário de quem se depara com uma ou outra apresentação de circo, ela sempre será do mesmo jeito: impecável, cheia de purpurina e capaz de acrobacias impossíveis.
Preconceito
Porém, a realidade dos artistas de circo não é tão espetacular. Todos são sujeitos comuns, que passam pelos mesmos problemas de qualquer pessoa. E sofrem preconceito. "Tem gente que pensa que nós temos uma vida indigna, que precisamos de caridade para sobreviver", diz uma das integrantes do Circo Fantasy, que prefere não se identificar. "Algumas pessoas dizem que não oferecemos uma vida boa para os nossos filhos. Mas eles vão pra escola, têm uma vida normal", afirma a integrante. Ela própria escolheu continuar no circo depois de terminar o ensino médio, mas diz que sua irmã decidiu sair e fazer faculdade de Administração. "Não é uma lei: nasceu no circo, vai morrer no circo. Mas estar aqui é uma emoção muito grande. É muito bom viajar, conhecer várias cidades. E a melhor coisa é ver a reação do público. Tem criança que até treme de emoção em alguns shows e você sabe que aquela felicidade toda foi você quem causou", conta, com brilho nos olhos.