A lembrança veio em um domingo quente, termômetro na marca dos 30 e poucos graus, sensação térmica por volta dos 40. Um calor senegalês e ele largadão no sofá, olhando para as falhas da pintura no teto da sala. Foi ao se levantar para buscar o ventilador na despensa que ela veio à memória. Lembrou-se de que o eletrodoméstico já não estava mais no apartamento. Na partilha dos bens, o ventilador ficou com ela.
Do pouco que construíram juntos, constava a máquina de fazer vento, que agora a refrescava em um novo lar. A ele, restou o aquecedor elétrico. Divisão até certo ponto justa, levando-se em conta que ela sempre se disse mais calorenta do que ele.
O porém é que a primeira estação a chegar logo após a separação foi justamente o verão. E mesmo para ele, que não era muito dado a reclamar da estação mais quente do ano, a coisa estava difícil.
Domingo de tarde, um calor tremendo e ele sozinho no apartamento. Ninguém para conversar, para dar uma volta, beber um chopinho, tomar um sorvete ou assistir televisão. Completamente desesperado, ligou para ela:
Alô.
Oi, tudo bem?
Nossa! Você?
Pois é... Tudo bem?
Tudo.
Que bom. Desculpa ligar assim, meio fora de hora, sem avisar, mas queria conversar com você.
Sobre o quê?
Bom, não sei bem por onde começar...
Tente começar pelo começo ela, seca.
Ok, ok. Sabe, tenho pensado em você, lembrado de umas coisas...
É mesmo?
Sim. Pensado muito, a toda hora. Principalmente nesses últimos dias.
Nossa! A toda hora!
Pois é, uma sensação estranha. Tem uma coisa me incomodando e que tenho que resolver com você.
E o que é?
Não sei se você tem essa sensação, mas parece que a gente acabou nossa relação rápido demais, sem conversar direito, sem uma postura mais adulta, discutindo nossas diferenças.
Depois de dois meses separados você me liga numa tarde de domingo pra discutir isso?! Você não tem mais o que fazer não?!
Tá, tá, sei que você tá chateada comigo. Aliás, você tem motivo mesmo pra isso. Mas, sei lá, hoje me deu uma vontade tão grande de te ligar e tentar resolver essa coisa que vem me dando essa angústia...
Sei...
É sério! Tô falando sério!
Você nunca fala sério...
Por favor me escuta. Só peço isso, me escuta.
Certo, vamos lá.
Eu sei que pisei na bola com você, que não fui muito legal e que realmente fiz bobagem. Mas, olha, eu tô desesperado. Tem uma coisa mal-resolvida entre nós e que se eu não conseguir tirar essa dúvida agora não vou conseguir dormir.
Você tá falando sério mesmo? ela já se enchendo de esperanças.
Nunca falei tão sério na minha vida!
Então diz o que está mal-resolvido entre a gente o coração dela pulsando forte.
É essa questão do ventilador ter ficado com você. Quem foi que disse que você é mais calorenta do que eu?
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