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Folclore atrai mais turistas
Considerado bem imaterial do Sul do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2011, o fandango atrai turistas e músicos profissionais ao Litoral do Paraná. No baile ao qual a reportagem da Gazeta do Povo compareceu, em Superagüi, cerca de dois terços dos frequentadores eram turistas.
Por causa do interesse durante a temporada, as rodas passam a ser formadas todos os dias, e com a participação de "estrangeiros", como Graciliano Zambonim, de 28 anos. Ele é músico profissional em Curitiba e há dez anos estuda o estilo. "O fandango tem uma linguagem diferente de tudo o que existe", defende. Ele e outros entusiastas desenvolvem um trabalho de divulgação e manutenção do folclore. O blog fandangodoparana.blogspot.com, criado pelo rabequista de Morretes Marcos Flavio Malucelli, teve 13 mil visitas em um ano. "A tradição não vai acabar", acredita Zambonim.
Zé Squinine sabe que precisa consertar sua viola. Há algum tempo, o instrumento de 80 anos a mesma idade do dono repousa inutilizado em uma capa de couro desgastado. Das oito cordas, três permanecem, ainda que desafinadas. A madeira talhada à mão apresenta várias ranhuras, cicatrizes do tempo em que o instrumento cadenciava os bailes de fandango da Ilha de Superagüi, um vilarejo de 700 habitantes pertencente ao município de Guaraqueçaba, no Litoral do Paraná.Mas Zé Squinine não vai consertar sua viola. O agricultor e pescador aposentado conta que os problemas de visão já o impedem de executar a tarefa minuciosa. A outra alternativa levar o instrumento até uma casa especializada em Paranaguá , ele considera cara e inócua. Há tempos, os bailes já não reúnem a mesma quantidade de frequentadores. E os que vêm são do tempo em que o ritmo típico do Litoral paranaense era executado naquela viola durante horas a fio, noite adentro. Mesmo consertado, o velho instrumento pouco seria apreciado pelos novos ouvidos da ilha.
O fandango está ameaçado em Superagüi. Hoje, a tradição se mantém pela reunião de antigos mestres e apreciadores sexagenários, que aprenderam a música e a dança em um passado de semi-isolamento em relação ao continente. Os jovens, eles afirmam, relegam o folclore local e compartilham entre si os ritmos comerciais que chegam com cada vez mais potência pela tevê parabólica e o rádio de ondas curtas.
História
O ingresso do fandango na comunidade de Superagüi está relacionada à aceleração da colonização da ilha por agricultores, pouco antes da metade do século passado. Vindos principalmente das outras cidades do Litoral do Paraná, onde o fandango se desenvolveu e resiste com mais força, levaram o folclore na mudança para a ilha. As características do fandango (roda de instrumentos e dança coletiva em linha) tornaram-se propícias à confraternização entre as famílias, que se reuniam após o fim do dia de trabalho.
Foi nesse período que Squinine, seu irmão já falecido e outros mestres aprenderam a fabricar, temperar (afinação rústica), tocar o instrumento e compor as músicas. "A maioria do povo chegava da roça e já começava a tocar e cantar", lembra ele, entre goles de cerveja, sentado embaixo de um quadro com a velha guarda do fandango. Na foto, ele aponta o violeiro Antonio Eleotério, que faleceu há poucos meses, aos 85 anos, e desfalcou a equipe. "A cultura do fandango está indo embora. Os jovens caíram fora, não querem aprender", lamenta.
O "cair fora" a que se refere Squinine significa, na maioria das vezes, atravessar a baía e fixar residência na cidade de Paranaguá, onde há mais oportunidades de emprego. A agricultura de subsistência praticada na ilha teve de ser gradualmente interrompida a partir do início dos anos 1980, quando começou um longo processo para tornar Superagüi uma área de proteção ambiental.
No final daquela década, foi criado o Parque Nacional do Superagüi, com 34 mil hectares de mata atlântica, dunas, restingas e manguezais. O trabalho para os nativos ficou restrito à pescaria, pequeno comércio e o atendimento a turistas, motivando um processo de migração que se faz sentir no cotidiano da ilha. "Concordo com a rapaziada", revela Squinine. "Quem não pesca, o que vai ficar fazendo aqui?"
Redescoberta da arte ocorreu dez anos atrás
Em 1996, o guitarrista e produtor musical norte-americano Ry Cooder viajou para Cuba à procura dos músicos tradicionais da ilha, proscritos 40 anos antes pela ditadura Castro. Encontrou-os vivendo modestamente, tornados agricultores ou aposentados compulsórios do regime. Do reencontro promovido pelo gringo surgiu um disco que vendeu 5 milhões de cópias, um Grammy, um filme do diretor alemão Wim Wenders e um Oscar.
Em Superagüi, o potencial Ry Cooder caiçara atende pelo nome de Laurentino Souza. Tem 52 anos, e há 30 é proprietário do bar Akdov (sim, "vodka" escrito ao contrário). Dez anos atrás, à procura de uma atração para o estabelecimento, ele deu uma volta a pé pela Ilha de Superagüi e arregimentou os mestres fandangueiros para o boteco. O bar ganhou animação, e os músicos ganharam um surdista esfoçardo. "Vem gente de tudo quanto é lugar do mundo. O que deixou essa ilha um pouco famosa foi o fandango", orgulha-se.
Com os mestres, voltaram também antigos arrastadores de pé tornados órfãos pela falta de bailes em sequência. O mais ilustre deles é seu Alcides, de 94 anos. Ele é o preferido das turistas. Posa para fotos e tem a honra de ser chamado para dançar pelas mulheres. Línguas maldosas no bar dizem que as preferidas dele são as moças altas. O cenário atual do fandango na ilha não parece preocupá-lo. "Tá bom. Tá bom", limita-se a comentar.
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