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Aos 85 anos, Milene Rosa Gomes preside a escola de samba Acadêmicos do Litoral Paranaense, que ajudou a fundar há mais de quatro décadas: “sou a baiana mais querida do carnaval de Paranaguᔠ| Henry Milleo/Gazeta do Povo
Aos 85 anos, Milene Rosa Gomes preside a escola de samba Acadêmicos do Litoral Paranaense, que ajudou a fundar há mais de quatro décadas: “sou a baiana mais querida do carnaval de Paranaguá”| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Ilha de Valadares

O último mestre fandangueiro

Aos 83 anos, Romão Costa é o último mestre fandangueiro da Ilha de Valadares, bairro de Paranaguá. Apesar da idade, Mestre Romão ainda dança, ensina os passos para as crianças da ilha, viaja pelo Brasil para levar a cultura do fandango e produz os tamancos de madeira usados no baile, no quintal de sua casa.

Na década de 1940, ele começou a trabalhar como estivador no Porto de Paranaguá. Em certo dia, em 1967, enquanto trabalhava no porão de um navio, chegou um senhor de Curitiba perguntando por ele, dizendo que já havia rodado as cidades do Litoral atrás de alguém que dançasse fandango. Quando chegou a noite, Romão viu em sua casa o então prefeito, Nelson de Freitas Barbosa, e um grupo. "Eles trouxeram uma garrafa de pinga e começou a conversa sobre o fandango", relembra.

Após a conversa, Romão formou 12 pares de fandangueiros na ilha e, com apenas oito ensaios, o grupo foi se apresentar no Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba. Não contavam que o então governador, Paulo Pimentel, os chamaria para gravar um disco dentro do palácio do governo. "Gravamos um vinil com 12 músicas e depois disso começamos a nos apresentar em todo o Paraná, até 2003. Andamos por tudo quanto é parte, até no carnaval do Rio de Janeiro", conta.

Atualmente o mestre se dedica a passar a tradição adiante. "Nosso fandango é bem dançadinho, dá até gosto de ver. Tempos atrás um menino que foi meu aluno me escreveu contando que está nos Estados Unidos, e que os gringos acharam que nossa música era a mais original do mundo", conta, sorridente e orgulhoso.

  • José Maria, estudioso do Instituto Histórico Geográfico de Paranaguá
  • Romão Costa ensina os passos do fandango na Ilha de Valadares

Além do que os livros, jornais e documentos relatam, a História de uma cidade, de um país ou de um povo é formada por um apanhado da biografia de seus moradores. E é simples resgatar um pouco das memórias culturais de uma cidade pequena, como Paranaguá, no Litoral do Paraná: bastam algumas horas de conversa com gente que tem histórias – e muitas! – para contar. É o caso de José Maria Faria de Freitas, tesoureiro e estudioso do Instituto Histórico Geo­­­gráfico de Paranaguá.

José Maria é um verdadeiro guardador das memórias da cidade, em todos os sentidos. Aos 73 anos de idade, o dentista conta que sua relação com a preservação da história começou por acaso, a partir de sua afinidade com associações e grupos de moradores da sociedade parnanguara, como Rotary, grupos de professores e de música e teatro.

Aos 40 anos, ao ser convidado para fazer parte do instituto pelo médico, poeta e historiador Anníbal Ribeiro Filho, José Maria questionou. "Na época lembro que perguntei a ele o que eu estava fazendo ali, porque não tinha jeito para a coisa, meu interesse era o carnaval, o futebol. Ao que ele me respondeu: ‘Um dia você vai ter mais coisas do que imagina’. E olha aí no que deu", conta, mostrando a sala de sua casa, que é praticamente uma extensão do instituto de tantos livros e documentos reunidos.

"Acabei me dedicando a juntar o conhecimento, a recuperar livros, jornais, e a pesquisar fontes. Tudo isso a gente ia fazendo e ia guardando no instituto e na sala de casa", relata. Todo esse trabalho de documentação era feito após o expediente, que ia das 8 às 21 horas, e virava a madrugada.

Além de documentar e digitalizar tudo, José Maria participava ativamente da vida cultural parnanguara. Presente quase sempre nos bastidores, ele levou teatro, música, cenografia e cultura para as escolas, participou dos blocos de carnaval, ajudou a bandinha da cidade, entre outras peripécias.

"Na medida que a idade foi chegando e eu não podia mais fazer as coisas com aquela vivacidade, pular de um carro alegórico para outro, passei a me dedicar a guardar documentos. A preocupação agora é com quem deixar tudo isso", desabafa.

A solução parece que está entre os amigos e colaboradores do instituto. Cada um deles tem o acervo documentado nesses anos todos em formato digital. "Se alguma coisa acontecer, pelo menos um dos arquivos tem de sobreviver", brinca José Maria.

A cultura de Paranaguá e de praticamente toda cidade litorânea também é traduzida fora dos documentos: na vida dos pescadores e em suas histórias com o mar. Janiro Fernandes Barbosa, o Teco, de 73 anos, Silvio Neves de Carva­lho Filho, 57 anos, e Salvador Cri­santo, 59 anos, têm muito em co­­mum, além dos mais de 40 anos de profissão. Todos aprenderam a pescar com os pais, tiraram a carteirinha profissional de pesca aos 17 anos e, hoje, têm a certeza de que os filhos não vão levar a tradição adiante. E eles nem querem que levem.

"Paguei o estudo que eu pude para que eles não precisassem pescar", conta Silvio. O posicionamento, segundo Teco, é resultado da própria experiência. "Vida de pescador não é fácil. Você trabalha duro e não vê nada na vida, se aposenta tarde e com um salário mínimo", afirma. Luiz Carlos dos Santos, de 47 anos, é mais otimista. "Tenho quatro filhos, três homens, e sei que pelo menos dois deles vão seguir a minha profissão. A vida não é fácil, mas é menos ainda para quem não quer trabalhar."

Na avenidaA rainha do carnaval parnanguara

Milene Rosa Gomes é a baiana mais querida do carnaval de Paranaguá. Aos 85 anos, ela preside a Escola de Samba Acadêmicos do Litoral Paranaense, que ajudou a fundar e é a mais antiga da cidade, com 45 anos de tradição. "Eu me considero uma relíquia da cidade. A rainha do carnaval sou eu, porque com essa idade ainda estou sambando, dançando e pulando. Obrigada, meu Deus, eu sou uma mulher muito feliz", diz, emocionada.

A baiana veio com os pais e quatro irmãos de Laguna, em Santa Catarina, quando tinha 14 anos, em busca de melhores condições de vida e emprego durante a safra de café. "Já nasci carnavalesca. Meus pais eram da folia. Minha mãe se vestia de homem, abraçava as mulheres dos amigos deles para brincar e quando o marido vinha para brigar e mostrava que era ela", conta.

Milene também é mãe de santo, e adotou 12 crianças da cidade, que criou junto com suas três filhas. Trabalhou como lavadeira no porto e como cozinheira. "Tive uma sorte muito maravilhosa. Sempre fui de coração muito bom, com força de vontade e espiritual, e fui subindo na vida em Paranaguá", diz.

"Eu viajei muito, estive em Porto Alegre, com o meu terreiro e com o carnaval, e no Paraguai, onde dancei de joelhos na avenida. Viajei esse mundo inteiro", conta ela. Na cidade, não tem quem não conheça a "Vó Milene", que hoje se prepara, com todo o fôlego do mundo, para dar show na avenida neste carnaval.

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