Poucos quilômetros separam Antonina de Morretes e ambas têm características que quase se confundem: são conhecidas pela riqueza histórica, ficam aos pés da Serra do Mar e exploram o barreado como prato principal. Este último elemento, porém, é motivo de discórdia entre os municípios, já que há anos morretianos e antoninenses brigam, mesmo que de forma velada, pelo título de berço do prato mais típico do Paraná.
"Sempre falo que é um prato do Litoral para não criar confusão. Mas acho que o nascimento foi em Antonina, só que não posso assinar embaixo", diz a proprietária do Restaurante Buganvil, Anny Snoeijer, 68 anos, cujo barreado tem até versão congelada. A holandesa, que foi parar em Antonina em 1965, abriu o Buganvil em 1986 e sua receita segue os passos tradicionais: a carne é cozida em panela de barro por quase 24 horas junto com uma mistura de alho, cebola, louro, cominho, coentro e pimenta-do-reino.
O cozimento lento deve ser no fogão à lenha, com uma camada de toucinho para forrar o fundo da panela e uma espécie de lacre na tampa feito com farinha de mandioca e água, que "fura" conforme o tempo de cozimento. Segundo Anny, é esta combinação que dá o rosado natural à carne. "Tem gente que põe tomate e até colorau para dar cor, mas é errado", salienta Anny.
A morretiana Maria da Glória Alpendre Silveira, 84 anos, proprietária do Hotel e Restaurante Nhundiaquara, concorda. "O verdadeiro é somente com a carne e o tempero, escaldado com a farinha de mandioca e acompanhado por arroz e banana da terra. Também não pode faltar uma cachacinha", enfatiza.
Desfiar a carne antes, geralmente o músculo traseiro do boi, jamais. De tão macia, ela desfia naturalmente no prato. As duas cozinheiras também abominam a panela de pressão e o fogão a gás. "Poucos fazem direito, essa é a verdade", diz com propriedade Maria da Glória, que forneceu barreado para o Palácio Iguaçu por mais de três décadas. A cozinheira foi convidada a preparar o prato em Curitiba para todos os governadores de Ney Braga (1961-1965) a Jaime Lerner (1995-2002).
Com 26 anos, ela assumiu o posto da mãe, Amália Martinha Alpendre, que lhe passou a receita. O casarão que abriga o restaurante fica às margens no Rio Nhundiaquara e é a construção mais antiga de Morretes. Antes de ser comprado pelo pai de Maria da Glória, Antonio Alpendre, em 1944, o local abrigou um cassino, uma fábrica de meias e a repartição geral dos Telégrafos. "Ele tirou um cochilo no lugar abandonado, viu que não tinha muitos mosquitos e comprou", conta Maria da Glória.
Até hoje, a filha mais velha toca os negócios da família e não prevê aposentadoria. "Vou firme até onde der. Faço questão de preparar o barreado, apesar de hoje já precisar de ajuda", admite.
E nada irrita mais Maria da Glória do que um enxerido abrindo a tampa da panela antes da hora. Assim como não gosta de tomar partido da disputa da origem do prato. "Nesta briga não me intrometo. O barreado é das duas cidades", conclui.