A dona de casa Cleusa Aragão Dias viveu durante 20 anos em uma casa que alagava a cada grande chuva que atingia Curitiba. Certa vez o filho mais novo não foi levado pela enxurrada por segundos. Havia também o esgoto e ratos. Agora Cleusa comemora a residência nova: "É azul, a cor que mais gosto", diz. Ela faz parte de um grupo de mais de 6 mil famílias que até a metade do ano que vem deixará as margens dos rios curitibanos. São cerca de 24 mil homens e mulheres, quase a população do bairro Bigorrilho, que não farão mais parte das estatísticas sobre alagamentos e desastres naturais.
Cleusa é o retrato de uma parcela da população que não teve oportunidade alguma na vida. Sem saber ler ou escrever, trabalhou desde criança na informalidade. Perdeu as contas de quantas vezes perdeu tudo o que tinha dentro de casa. "Só Deus sabe o que eu sofri. Agora é vida nova", comemora. Ela saiu das margens do Rio Barigui e foi para as Moradias Corbélia, loteamento construído pela Cohab de Curitiba. Assim como ela, outras 220 mil pessoas vivem hoje mas 254 favelas existentes em Curitiba.
Em 2007, a prefeitura iniciou um mapeamento para localizar a população que vivia em Áreas de Preservação Permanente. Foram encontrados quase 12 mil domicílios que estavam na faixa de proteção das margens dos rios, que varia de 30 a 50 metros. Essas moradias irregulares não prejudicam somente as famílias pobres, mas todo o meio ambiente, já que o corte da mata ciliar aumenta as chances de assoreamento, destruindo animais e plantas que dependem do rio.
Feito o levantamento, a prefeitura decidiu agir por bacias hidrográficas, para realocar grupos inteiros. Isso evita que a margem seja ocupada novamente. Foram selecionadas 43 vilas que estavam mais degradadas e com as famílias em maior situação de risco. A outra metade das 12 mil famílias que ainda não foi beneficiada deverá ser contemplada com as obras do próximo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2).
O custo total das obras será R$ 150 milhões. A verba vem do PAC e do município. O valor abrange a reurbanização das vilas, mais as realocações. Cada unidade habitacional construída pela Cohab custa em média R$ 30 mil. As famílias reassentadas contribuirão com o pagamento das casas, mas segundo a Cohab a situação de cada morador foi avaliada individualmente. Há um grande subsídio do poder público, seis meses de carência para o início do pagamento e a parcela não pode ultrapassar o valor de 10% da renda. Para a Cohab, mesmo que o valor pago seja simbólico, é importante para o sentimento de pertencimento e construção de patrimônio.
Hoje 30% das realocações previstas já foram efetivadas -- o que significam 1,8 mil famílias -- e as demais obras estão sendo realizadas, faltando 40% para a conclusão. Para a diretora técnica da Cohab, Teresa Oliveira, as ações realizadas são uma conquista porque a habitação sempre foi uma área com poucos recursos disponíveis. "Fazemos um trabalho amplo. Há um ação social para que as famílias reconstruam suas vidas", diz.
Descaso
Mesmo com o bom resultado da remoção de domicílios de beiras dos rios, é preciso analisar a habitação de forma geral. Com 13 mil famílias morando nesses locais, é difícil não se perguntar como a situação chegou neste patamar. Para especialistas, o poder público não olhou para o problema como deveria.
Com a extinção do Banco Nacional de Habitação na década de 80, o país ficou sem uma política nacional e o que os governos faziam era a mera construção de casas. "Houve tolerância com a ocupação irregular do solo. As pessoas foram para esses locais porque não tinham aonde ir. Até hoje falta uma política clara", afirma o arquiteto e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Carlos Hardt.