Sair da casa dos pais para desbravar outras paragens em busca do sonho de cursar uma faculdade é um divisor de águas na vida de muitos jovens. Em um cenário totalmente novo e desconhecido, não convém abusar: antes que a filha coloque fogo na casa tentando cozinhar o arroz ou que o filho fique no escuro porque desconhecia que contas de energia elétrica são para pagar, o melhor é instalar a prole em local acolhedor e seguro. Uma das opções mais comuns para agradar aos filhos e tranquilizar os pais são os tradicionais pensionatos de estudantes.
Em Curitiba há vários. Existem aqueles que só aceitam homens ou então só mulheres; os que oferecem comida e roupa lavada e passada; os que oferecem ainda academia, internet wi-fi e tevê a cabo; os que taxam os aparelhos eletrônicos que o pensionista trouxer; os super-rígidos com as regras; e também aqueles que apostam na "independência" de seus hóspedes. Enfim, há opções para todos os gostos e bolsos.
Conheça como funciona a rotina em alguns deles e algumas opções de hospedagem em Curitiba:
Entre fotos, bibelôs, recados e fórmulas de Física
As toalhas das mesas da cozinha são de motivos florais. A sala lembra a da casa da mãe, acolhedora. Nas portas dos quartos, recados, adesivos e desenhos coloridos. Da porta para dentro do pensionato feminino Ana & Maria, o universo adolescente se desvenda: fotografias, bibelôs e maquiagens dividem o espaço com lembretes de fórmulas de Física e a tabela periódica. Ali moram, atualmente, 36 estudantes. Há reservas até para 2015.
Inaugurado em 2008, o local funciona sob a coordenação de Ana Paula Camilo, que herdou da mãe, Maria Elizabete, o gosto pelo ramo. Enquanto Ana é como uma irmã mais velha para as meninas sob sua tutela, Bete, como é chamada a matriarca, recebe cartas e presentes de agradecimento dos pais que confiam suas filhas ao cuidados dela. "É um negócio que exige muito trabalho, mas também recompensa com muito carinho", resume Ana.
Só o barulho é que rende motivo para discórdia entre as meninas. Mas nada que não seja superável com conversa e um puxão de orelha de Ana, que fica responsável por "cuidar" de cada uma de suas hóspedes. Quando o contrato é assinado, os pais determinam o que suas filhas podem ou não fazer, e cabe a Ana monitorar.
Há, por exemplo, a invejada chave da grade, uma espécie de garantia de ir e vir. Isso porque a porta de acesso ao prédio é trancada às 23 horas, e somente meninas autorizadas a retornar após esse horário possuem a chave. Ainda não há registros de "tráfico da chave", mas há boatos de empréstimos feitos na surdina.
Ana Clara Salla, 17 anos, e as conterrâneas Isabella Bianco, 17, e Mariana Aimi, 16, podem voltar após o "toque de recolher", mas garantem não usufruir muito dessa liberdade em nome de metas futuras. Mariana quer fazer Medicina e Isabella, Psicologia.
A maioria das garotas ali veio para fazer o vestibular. Ana Júlia Drum, 19 anos, deixou o interior da Bahia para estudar em Curitiba. O conforto e a segurança foram os maiores atrativos do pensionato. Com três refeições diárias e roupas lavadas, sobra mais tempo para estudar. Ana Júlia, que pretende cursar Medicina, gosta muito do pensionato e nem a rigidez dos horários a incomoda. Depois que for aprovada, os planos devem mudar. "Aí eu quero morar sozinha. Sair, fazer festa, depois de tanto tempo de dedicação."
Disciplina e organização para pôr a casa em ordem
A Casa do Estudante Nipo-Brasileira de Curitiba foi erguida em 1979 por iniciativa da Jamic Imigração e Colonização, organização cujo objetivo era prestar assistência aos imigrantes japoneses no Brasil. O pensionato, que aceita homens e mulheres, hoje abriga 45 moradores, sendo 80% descendentes de japoneses. Mais isso não é requisito para ser aceito no lugar. Há, no entanto, um processo seletivo que inclui entrevista e análise de perfil.
A administração fica a cargo dos próprios estudantes, por meio de um conselho administrativo e um deliberativo, além de dez departamentos que tratam da rotina, como a convivência entre os moradores, a burocracia administrativa e a preservação da cultura nipônica, entre outras questões.
Modelo
Esse modelo de gerenciamento, de acordo com Felipe Watanabe, 20 anos, membro do conselho administrativo, funciona bem, fazendo jus à famosa disciplina japonesa . "Existe um Estatuto da Casa, então a discussão morre a partir do momento em que há uma definição do que pode e do que não pode. A casa tem uma filosofia japonesa de lidar com as coisas que é difícil de explicar em palavras", simplifica.