Dentes, cordão umbilical, cabelo... Na maioria das vezes, o destino deles é o lixo. Mas há instituições que recebem doações e as transformam em matéria para pesquisas científicas, tratamentos médicos, e perucas que amenizam os efeitos da perda de cabelo em doentes.
O diagnóstico precoce tomou de susto Michelle Bornemann: em 2012, aos 35 anos, descobriu o câncer de mama já em estágio avançado. Depois da cirurgia, iniciou nova batalha contra os efeitos colaterais da quimioterapia. A queda dos fios, embora já esperada, abalou.
"Minha maior preocupação era com o impacto que essa mudança iria provocar nos meus filhos pequenos". Em um momento de inspiração, surgiu a ideia: "Convidei toda a família para uma festa, conversei com meus filhos, fiz dois rabos no cabelo e cada um deles cortou. Depois fizemos um leilão familiar", conta. "O que era para ser deprimente se transformou em um momento de alegria, de união. Por ter sido nesse contexto, quando me enxerguei careca no espelho gostei do que vi", relembra.
A luta pessoal contra o câncer motivou Michelle a se envolver com o voluntariado e a criar o projeto Autoestima, que recebe doações de cabelo e, através de permuta com uma fábrica de confecção de perucas, troca os fios doados por modelos prontos, que são entregues conforme pedidos.
Taline Nogueira, 22 anos, ganhou uma das perucas de Michelle. Dona de uma longa cabeleira castanha, ela relutou em aceitar que o cabelo ia cair quando começou as sessões de quimioterapia para combater um câncer no ovário. "Não acreditei quando o médico disse". Mas, diante do inevitável, criou coragem e preferiu raspar a cabeça a ver os fios caírem aos poucos. "Dói menos".
A adaptação ao novo visual não foi fácil. Apesar de não se sentir mal com a aparência, ela conta que ficava constrangida por estar careca em público. Foi então que decidiu recorrer à peruca. Mas, não fosse a doação, teria desistido por causa dos altos preços dos modelos de fios naturais, que podem custar até R$ 1.000. "A peruca me ajudou a ter segurança. Hoje, meu sonho é que meu cabelo cresça novamente, bem lindo, para que um dia eu possa doar também", planeja.
Cordão de bebê é fonte de células-tronco
O cordão umbilical do recém-nascido é uma das poucas fontes de células-tronco para o transplante de medula óssea, tratamento indicado para cerca de 70 doenças do sistema sanguíneo e imune. Daí a importância da doação. Além disso, o sangue do cordão umbilical admite incompatibilidade de até dois dos seis tipos de antígenos HLA (proteínas presentes nas células do sangue), aumentando as chances de sucesso na busca pelo doador e de êxito no transplante.
No Paraná, a coleta e o armazenamento do sangue de cordão umbilical são realizados pelo Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário (BSCUP), administrado pelo Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Como é um banco público, o BSCUP não coleta sangue para uso autólogo (quando o receptor é o próprio doador), ou seja, no ato da doação, o material passa a pertencer a uma rede pública de bancos de sangue de cordão umbilical do Brasil e pode beneficiar qualquer paciente compatível.
Restrições
Hoje, a coleta de cordão umbilical é realizada apenas nas maternidades do hospital Victor Ferreira do Amaral e do HC. O responsável pelo BSCUP, Giorgio Roberto Baldanzi, conta que apenas uma enfermeira é capacitada para fazer a coleta. "A aceitação da população é muito grande, pois é um material que, se não for doado, será descartado. Queremos alavancar o serviço, disponibilizar a coleta móvel, mas temos algumas limitações em decorrência da insuficiência de recursos humanos e insumos materiais necessários", explica. No momento, o BSCUP do HC armazena 300 bolsas de sangue de cordão.