Mulher perde a filha ao procurar os pais
Mariana Domakoski, especial para a Gazeta do Povo
Em 1975, um namoro reprovado pelo pai fez Eva fugir de casa, em Ibema, no Oeste do Paraná. Aos 17 anos, mudou-se para o estado de Mato Grosso, casou e teve uma filha, mas dois anos depois perdeu o marido assassinado. Passados 12 anos, voltou ao Paraná em busca da família.
Mãe busca reencontro com 8 filhos perdidos
Felipe Lessa
Há 19 anos, a costureira Tereza Nardes trocou o litoral paulista pelo paranaense. Os oito filhos ficaram em Itanhaém quando ela rumou para Matinhos, com uma sacola de roupas, grávida do ex-companheiro. No Paraná, conseguiu um emprego e fazia planos para trazê-los, mas surgiu novo empecilho. Doente, foi dispensada do trabalho de cozinheira. "Me desesperei, perdi o endereço dos meus filhos e pensei que jamais voltaria a vê-los", diz. O companheiro que conheceu logo ao chegar, já falecido, ajudou a contornar a situação.
Conseguiu novo emprego e hoje, aos 57 anos, tem a própria casa, onde vive com três filhas, uma trazida de São Paulo um ano depois da chegada e duas nascidas em Matinhos. Faltava retomar contato com os outros filhos. E a iniciativa partiu de um deles, que havia sido deixado pela mãe na casa de terceiros quatro anos antes de se mudar para o Paraná.
Vinte e três anos haviam se passado quando o inspetor educacional Marcelo de Nardes viu a mãe pela última vez. Aos 36 anos, decidiu buscar informações após ouvir boatos sobre a morte dela, em Itanhaém, onde mora. Foi tirar a dúvida no cemitério. Percorreu os túmulos e leu a lista completa de pessoas enterradas. Cogitou a possibilidade de a mãe estar enterrada em outro estado. "Por isso, resolveu vasculhar na internet", conta a irmã de Marcelo, Vanisia Nardes da Silva, de 24 anos.
Na internet, descobriu o suposto paradeiro da mãe. Investigando novas informações, contatou uma rádio comunitária de Matinhos. Tereza levou um susto. "Eu estava na salinha de costura quando narraram que um rapaz chamado Marcelo estava me procurando. Quase desmaiei, mas corri na rádio. Lá consegui o telefone do meu filho", diz. Dois dias depois, em setembro do ano passado, teria uma surpresa.
Vanisia e o namorado dela a levaram para Curitiba, alegando precisar de companhia no hospital. Na rodoviária, pensava terem ido buscar um parente do genro. "Quando vi desembarcar aquele rapaz forte, que me abraçou, tive certeza: era meu filho. Fiquei sem reação de tanta alegria", conta. Toda semana eles se falam ao telefone. Vanisia e o namorado também levaram-na até Itanhaém, onde ela reencontrou outras quatro filhas que não via desde pequenas. Agora só falta rever dois filhos.
"A Fátima, que deve ter uns 38 anos, ficou morando com a avó. Essa não vejo desde os 3 anos, mas converso pelo telefone. O Rogério deve ter uns 32 anos, e não tenho nenhuma foto dele. Mas ouvi dizer que também está morando no Paraná. Só no dia que encontrar com eles, para dar ao menos um beijo e um abraço, estarei em paz. Será o dia em que vou ter a certeza de que minha vida foi sofrida, mas foi bonita".
Até recentemente, Édson e Videlson não hesitariam diante de qualquer pergunta sobre quem eles são. "Sou Édson Jorge Borges, nascido em 28 de julho de 1977, filho de José Borges e Judita Batista Borges", diria um sem vacilar. "Sou Videlson dos Reis Santos, nascido em 28 de julho de 1977, filho de Manoel Taborda dos Santos e Rita dos Reis Santos", responderia o outro. Durante 28 anos essa foi a identidade deles, construída mediante falsas premissas. O nome e o parentesco, primeiras características de identificação de uma pessoa, estavam errados. Eles foram trocados na maternidade, e isso fez deles pessoas diferentes do que poderiam ter sido.
Édson foi criado pela família de Videlson, e vice-versa. As diferenças na aparência física no seio de cada família eram evidentes, mas como imaginar algo parecido a uma troca de bebês em Rio Branco do Sul, à época uma cidadezinha de 20 mil pessoas na região metropolitana de Curitiba? A revelação foi obra do acaso, que literalmente bateu à porta de um deles. Ambos moravam a 60 quilômetros um do outro na cidade de Itaperuçu, já emancipada de Rio Branco do Sul, até que na campanha política de 2004 um candidato a vereador surge à porta de Édson em busca de votos. "Você é muito parecido com meus irmãos", disse surpreso.
Fim de campanha, tudo parecia esquecido. Édson recém-abrira uma mercearia no Jardim São João e negociara numa padaria o abastecimento de pães, logo suspenso porque a entrega se dava às 4 da madrugada. Mas a necessidade o levou de volta à padaria e desta vez se deparou com o dono, Gérson, irmão de Gilson, o candidato agora eleito. No meio da conversa, Gérson o achou parecido com os irmãos. Videlson logo chegou e foi perguntando data e local de nascimento. Édson viu em Videlson semelhanças com seus próprios irmãos, e ao saberem-se nascidos no mesmo dia e hospital, a conclusão foi lógica.
Tanta convicção até dispensava DNA, mas o exame foi necessário para a ação de danos morais que Édson abriria contra o hospital onde nasceu. Desde então, eles compartilham a família um do outro. Os pais trabalhavam havia muito tempo na mesma indústria de cimento, em Itaperuçu. Manoel era chefe de equipe; José, servente. Acabaram amigos depois da descoberta, tanto que a primeira vez que Édson viu o pai José chorar foi na morte do pai Manoel, em 2006, de infarto. A mãe biológica, Rita, morreu em 2000 sem saber da troca. Após a morte de Manoel, os outros irmãos partilharam a herança também com ele.
Édson desmontou a casa de madeira onde os irmãos foram criados e a remontou na chácara dele, em Rio Branco do Sul, numa tentativa de resgatar fragmentos de uma história que não pôde viver. Mas e a identidade, esse conjunto de caracteres exclusivos que nos tornam pessoas únicas, que nos fazem tomar consciência de nós mesmos e da nossa realidade individual através das nossas atividades, história de vida, ambições, sonhos, personalidade? No caso deles, um tomou o lugar do outro, mas sem rivalidade. Restou a evidência de que duas características imutáveis da constituição da identidade o nome e o parentesco não foram tão imutáveis assim.
Há quem confunda identidade com o nome, uma vez que o processo de identificação começa na família, onde as duas dimensões da identidade começam a se constituir: a igualdade, no sobrenome, e a diferença, no pré-nome. Mas pré-nome e sobrenome não se bastam como identidade, ressalva Antonio da Costa Ciampa, doutor em Psicologia Social, escritor e professor da PUC-SP. Para ele, a construção da identidade depende de quatro condicionantes: as normas sociais; a intersubjetividade, ou seja, como a pessoa se inter-relaciona com os outros; a subjetividade, espaço íntimo com o qual ela interage com o mundo externo; e a objetividade, o que de fato ela quer ser.
A identidade é, portanto, uma construção dialética a partir da interação da pessoa no meio social, conforme a participação e a apropriação que ela faz dos valores, das ideias e normas vigentes no grupo a que pertence. Assim, a identidade pode ser tanto determinada quanto determinante. Daí, conclui-se que não se pode falar dela sem falar de socialização, pois é inerente ao ser humano, sobretudo quando se é jovem, em busca grupos de afinidade para o reconhecimento de uma identidade. Para isso, ele busca no seu entorno os modelos a seguir, em geral os que estão mais próximos.
Ao considerar a identidade como algo não inato, que pode ser entendida como uma forma sócio-histórica de individualidade, a psicologia social destoa da ideia de natureza humana, segundo a qual as potencialidades do indivíduo já nascem com ele, dando ao contexto social a importância secundária de promover condições para a manifestação das habilidades predeterminadas. Dessa forma, o meio social fornece as circunstâncias para variados modos e alternativas de identidade. Ou seja, a história de vida do indivíduo e a forma como ele se vê são determinados pelas condições históricas do grupo social no qual está inserido.
Para a psicanálise, a pessoa é produto da relação de amor e identificação com os pais e só se define como sujeito a partir dessa relação, ao buscar identificação com o modelo que o outro representa. Assim, Édson e Videlson introjetaram as identificações infantis cada qual no meio familiar em que foram inseridos por engano e, por meio delas, formaram cada um sua identidade. Diante da impossibilidade de se mudar o passado, segundo Ciampa a pergunta a se fazer a cada um deles é: "O que você vai fazer com que fizeram com você?".
Embora compartilhem a família um do outro, tratando-se como irmãos, Édson e Videlson agora querem mudar o nome nos documentos pessoais, em mais uma tentativa de resgatar fragmentos da identidade que poderiam ter tido. Édson pretende usar para essa finalidade o dinheiro que espera receber do processo contra o hospital que fez a troca dos bebês.
Como a PF costurou diferentes tramas para indiciar Bolsonaro
Cid confirma que Bolsonaro sabia do plano de golpe de Estado, diz advogado
Problemas para Alexandre de Moraes na operação contra Bolsonaro e militares; assista ao Sem Rodeios
Deputados da base governista pressionam Lira a arquivar anistia após indiciamento de Bolsonaro
Soraya Thronicke quer regulamentação do cigarro eletrônico; Girão e Malta criticam
Relator defende reforma do Código Civil em temas de família e propriedade
Dia das Mães foi criado em homenagem a mulher que lutou contra a mortalidade infantil; conheça a origem
Rotina de mães que permanecem em casa com seus filhos é igualmente desafiadora
Deixe sua opinião