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O exemplo que vem da região

A consultora Silvana Rausis Scachenco, 53 anos, tem cerca de três décadas de experiência junto a movimentos sociais e a comunidades tradicionais. Com o lançamento do "observatório da habitação", ela passou a prestar consultoria voluntária para os moradores da Vila das Torres. Gostou do que viu até agora. "A organização deles serve de exemplo e poderia ser propagada por várias regiões da cidade", diz.

Junto com os líderes, Silvana fez diagnósticos – apresentados ao Ministério Público – e criou um programa de capacitação social e ambiental para os moradores. Em meio a essa força-tarefa, viu-se impressionada com o grau de maturidade dos líderes – principalmente por terem priorizado as crianças e adolescentes no programa de ações.

"Os jovens estão em idade de risco. O povo da vila sabe que é preciso recorrer a todas as alternativas para garantir a formação dos seus filhos", elogia.

Ferida

Outra questão que impressionou a consultora foi o conflito constante dos moradores da vila com a cidade onde vivem. "Eles se vêem como uma ferida aberta, sentem-se excluídos dentro do território", comenta, sobre a estranha marginalidade a que a Torres se viu sujeita desde o seu surgimento, na década de 50. (JCF)

A Vila das Torres está mais uma vez no centro da cena. Ontem à noite, pelo terceiro mês consecutivo, a região foi alvo de debates em encontro de lideranças promovido pelo Ministério Público do Paraná (MP). Embora discreta, a iniciativa é histórica. Representantes do mundo empresarial, gestores públicos, agentes comunitários, ONGs e membros de movimentos populares vêm dividindo a mesa com o intuito de apresentar soluções para aquela que – ao lado do Parolin – é a ocupação mais conhecida da cidade.

Com quase 60 anos de criação, a Torres está próxima do Centro, é vizinha de bairros de classe média e do cartão-postal da capital – o Jardim Botânico. Mesmo assim, está a anos-luz do padrão de urbanização que projetou Curitiba internacionalmente. "É uma situação kafkiana", resume o procurador de Justiça do MP, Saint-Clair Honorato Santos, idealizador do projeto chamado informalmente de "observatório da habitação".

Saint-Clair não pensou duas vezes antes de fazer da vila o carro-chefe do observatório. Ainda que não seja a região mais problemática em meio ao cenário de 254 ocupações irregulares e 87 loteamentos clandestinos de Curitiba, é, sem dúvida a síntese da cidade que patina no setor da habitação popular. O fenômeno da favelização atinge 500 mil sem-teto de Curitiba e região metropolitana – 20% da população. De acordo com a Coordenação da RMC (Comec), 90% dos 43 mil casebres da área estão na capital, com previsão de duplicação desse número até 2020.

As Torres

Além de ter poucas saídas para as principais avenidas que a cercam, a Vila das Torres é cortada por um Rio Belém transformado em esgoto.

Outro de seus percalços diz respeito à segurança. Trata-se de um dos pontos de tráfico na cidade. O clichê de lugar violento tem um efeito demolidor. Além de provocar baixa-estima, rouba a visibilidade da dezena de associações comunitárias que fazem da vila uma das mais socialmente ativas na capital.

O marketing negativo é tamanho que se tornou um dos dilemas dos moradores, expresso em alto e bom som nas reuniões anteriores promovidas pelo MP: quem mora na Vila das Torres sofre constrangimento na escola e no trabalho. Muitos dão endereços falsos, temendo a discriminação.

Embora o controle da violência pontifique as preocupações dos moradores da vila, o assunto escapou às competências do observatório e deve ser transferido para os órgãos de segurança do estado – segundo informa Saint-Clair. Para surpresa dos participantes do programa, em vez de mais segurança, a reivindicação dos moradores da Vila das Torres é que o bairro receba uma rede de cursos profissionalizantes, voltados para juventude e financiados pela Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) – parceira do Ministério Público.

Estima-se que dos 8,5 mil moradores da vila, cerca de 5 mil sejam crianças e adolescentes. O desemprego juvenil – embora não contabilizado – é considerado alto e está relacionado com as condições financeiras das 1.028 famílias que vivem na região. Calcula-se, por exemplo, que pelo menos 40% dos residentes nas Torres sejam carrinheiros. Os ganhos dos catadores de papel dificilmente ultrapassam dois salários mínimos, com a agravante de, por sua informalidade e horários irregulares, serem um estímulo ao abandono escolar.

Reticências

Os líderes comunitários preferem não festejar, por ora, a parceria com a Fiep e o apoio do MP. "Ainda não vimos nada de muito concreto acontecer", diz Marcos Erivelto dos Santos, presidente do Centro de Apoio à Integração Comunitária (Caico). Mas ele e os demais líderes não desdenham do projeto de Saint-Clair. Logo que convidados a expor seus problemas, em junho passado, armaram- se de números e projetos. "Acho que o poder público não esperava que a gente estivesse tão organizado e que tivesse tantas reivindicações", diz.

Os moradores das Torres apresentaram para o MP um projeto de sustentabilidade integrado e permanente, com a intenção de garantir uma rede de apoio à vila – em especial para os que estão em idade escolar. Da lista de reivindicações ainda fazem parte plantio de árvores, calçamento, aumento de áreas de lazer, entre outros. Segundo o líder, só não se falou em dinheiro até agora. "Ninguém sabe de verbas", pontua – embora a finalidade do observatório seja manter assuntos em evidência, abastecendo o poder público com informações.

Em tempo, a Companhia de Habitação de Curitiba vai investir R$ 4,1 milhões na Vila das Torres, para regularização fundiária de 150 famílias. A verba é oriunda do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em breve, outras 20 famílias deverão ser retiradas do bairro, para dar passagem a um binário da Rua Chile. A informação da Cohab-CT é que os moradores vão receber uma carta de crédito para aquisição de moradia em outro local. A Vila das Torres tem 1.028 domicílios divididos em 673 lotes. A alta incidência de moradia conjugada na região e o fato de metade do lixo de toda a cidade passar por ali só confirmam o senso comum: a vila, tão perto, continua longe demais de Curitiba.

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