Os moradores da Vila Zumbi dos Palmares, em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), costumam fazer dois comentários sobre a comunidade onde vivem. O primeiro se refere ao tamanho. O segundo, à fama. A Zumbi e sua vizinha, a Vila Liberdade, somam quase 15 mil habitantes, mais do que muitas cidades do interior do Paraná. "É grande", diz o morador Adair Trajano, ao caminhar pela Rua 30, hoje Avenida Aleixo Schluga, centro comercial dotado de supermercados, farmácias e, agora, gente na rua.
Quanto à fama, é grande também. Começou em fevereiro de 1990, mês e ano em que se deu a primeira ocupação dos terrenos de turfa, às margens do Rio Palmital e da BR-116. Dali em diante as duas vilas nunca mais saíram do noticiário.
Zumbi e Liberdade pareciam não passar de duas novatas, condenadas ao anonimato diante das aproximadas 500 ocupações irregulares da RMC. Não foi o que aconteceu. O poder público negligenciou o perigo que se instalava naquele terreno. O poder paralelo tirou rápido proveito, transformando-o num dos entraves mais violentos de todo o Paraná.
Por essas, qualquer bolão apostaria que a primeira Unidade Paraná Seguro, a UPS, da RMC, seria instalada ali, por direito. Dito e feito. A UPS Zumbi-Liberdade completa um mês no próximo dia 8 com o intuito de diminuir taxas de mortes violentas, que chegaram a 15 vítimas em 2012 e início de 2013.
A presença de 25 policiais andando pelo bairro tem deixado a população mais à vontade. Falam dos dias ruins. E da fama. Uns dizem que Zumbi e Liberdade ficaram conhecidas por causa do nome sugestivo. Difícil esquecer o local que homenageia o ícone da cultura negra no Brasil. Outros culpam o endereço às beiras da Régis Bittencourt, a caminho de São Paulo.
Há quem responsabilize a geografia, cenário de banhados nos quais as barraquinhas de lona preta pareciam boiar. Os ratos eram do tamanho de gatos, dizem. O cheiro dos esgotos, o inferno. Foi assim até 2005, quando o governo decidiu fazer da Zumbi sua vitrine. Abriu-se um canal para reduzir as enchentes, cuja incidência só era menor do que os tiroteios. Foram construídos 289 sobradinhos, pondo abaixo becos que serviam ao tráfico. Deu-se início à regularização fundiária para 1,7 mil famílias. O então secretário de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, elegeu o local como laboratório de políticas de pacificação.
Cochichos
Zumbi e Liberdade, claro, se tornaram ainda mais famosas. Resta lembrar o que as fizeram temidas. A escala de violência praticada na região era assombrosa. As descrições costumam ser feitas aos cochichos. Havia brigas de clãs tal e qual o sertão dos coronéis. A punição era a chacina de inocentes, como esposas e filhos. Com requintes. Conta-se do desafeto arrastado pela vila, preso a um cavalo. Do bandido que montou uma guarita em cima de seu sobrado. Da casa alvejada com 50 tiros, contados. "Morriam dois no sábado, dois no domingo e ficavam dois pendurados para a segunda-feira", lembra o ex-líder comunitário Genésio Medeiros, 35 anos.
Em meio a esse histórico, uma curiosidade. De acordo com o Ipardes, 56% dos moradores das duas vilas estão ali há mais de 10 anos. Vendem seus terrenos às pampas, como atesta a Cohapar, mas se transferem para outra quadra, na mesma vila. A mudança é feita sem caminhão. "Eu me criei aqui", diz a assistente administrativa Danieli Antonio, 25 anos.
A média é de 10 negociações semelhantes por mês. As boas casas, em meio aos poucos barracos de hoje em dia, atestam que a população é como Danieli gosta dali. Frequenta associações comunitárias, ONGs e igrejas. O vizinho rico, o Alphaville, também frequenta a área, com projetos sociais. Além de grandes e famosas, as vilas que metiam medo mostram cada vez mais que são de paz. "É incrível. Queremos entender esse local", admite o tenente coronel Heraldo Borio, 49 anos, coordenador das 13 UPS instaladas. Alguma lição para a segurança pública se esconde ali.
Primeiro passo é bater de porta em porta
A escolha das vilas Zumbi e Liberdade para a primeira UPS da RMC foi técnica ou simbólica? "Técnica", responde à queima-roupa o tenente coronel Heraldo Regis Borio da Silva, 49 anos, coordenador do programa de Polícia Comunitária do Paraná. Ele soma 30 anos de PM, 15 anos de política de direitos humanos. Tem sob sua custódia as 13 Unidades Paraná Seguro já implantadas. É formado em História. E gosta de citar a antropologia como instrumento de trabalho. Sabe o que a Zumbi significa. Mas principalmente sabe que a vila contabiliza 10% da criminalidade de Colombo. É grave.
Sua estratégia, contudo, deve ir além de "congelar a área". Quer entender por que as comunidades se tornaram violentas. Fala da informalidade que rege as ocupações. Das artimanhas do mundo do crime em se instalar em áreas miseráveis. Das zonas de conflito entre áreas ricas e pobres. Das desovas. Do esconderijo de carros roubados, uma das marcas da Vila Zumbi dos Palmares. Mas lhe interessa sobremaneira mostrar que cada favela é diferente da outra.
"O Parolin foi formado por gente braçal. Não é o caso das vilas Zumbi e Liberdade, surgidas num cenário urbano", explica, para em seguida justificar a ordem que deu aos oficiais destacados para ir a Colombo: "Batam de porta em porta. Conversem com a população. Escutem. Esse é o primeiro momento", diz.
Suas investidas têm dado certo. Dia desses, o grupo de oficiais da UPS ganhou um bolo de 5 quilos, dado por uma moradora agradecida. "A polícia aumentou a confiança das pessoas. Podem criticar nosso trabalho, mas é o único serviço público que basta levantar o dedo na rua para ser atendido".
O próximo passo, comenta, é aumentar os índices de participação comunitária dos moradores. Não há pacificação possível com gente enfiada dentro de casa, vendo a banda passar. Já avisou aos seus que se a comunidade não for fortalecida, nada feito a ação terá sido um fracasso.