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O governo Lula não conseguiu reduzir os índices de violência contra mulher, apesar de colocar o tema entre as principais metas da gestão petista. No primeiro ano de mandato, em que a violência doméstica aumentou, o governo justificou o crescimento relacionando-o com o incremento da posse de armas, política do ex-presidente Bolsonaro. No entanto, mesmo após o decreto de Lula, que restringiu a compra de armas, a violência contra a mulher continuou a subir no Brasil. Foram 82% a menos de novos registros de armas comparado ao ano anterior, chegando ao menor patamar desde 2004.
A violência psicológica de mulheres aumentou 33,8% em 2023. Outros índices também pioraram, como o aumento no número de medidas protetivas de urgências concedida (26,7%), casos de assédio sexual (28,5%) e estupro (6,5%), quando comparado ao último ano. Os dados, divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), demonstram uma ineficácia do governo federal na tentativa de combater esse tipo de violência.
Em relação ao registro de feminicídios em 2023, 63% das mulheres foram mortas por um parceiro íntimo e 21,2% por um ex-parceiro íntimo. Mais da metade das mortes (64,3%) ocorreu na própria casa dessas mulheres.
Para acenar ao eleitorado feminino, a atuação do presidente Lula se limita a discursos genéricos. Durante a convenção do Partido dos Trabalhadores, por exemplo, no último domingo (21), Lula afirmou que quer fazer uma “guerra” de combate a violência contra a mulher, mas sem entrar em detalhes de atuação.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, do Ministério das Mulheres, para saber o que estava sendo feito para combater a violência contra a mulher e como a pasta vai reagir aos novos números. O Ministério respondeu com uma lista das ações em andamento no governo Lula (leia a íntegra da nota abaixo). Entre elas, a expectativa da criação de 40 Casas da Mulher Brasileira - atualmente, 10 estão em funcionamento. As medidas apontadas, no entanto, são consideradas irrisórias por especialistas para resolver o problema.
Ações do governo são assistenciais e voltadas para o momento após agressão
“Infelizmente, o governo e as ONGs a ele alinhadas insistem em utilizar os dados da segurança pública para respaldar artificialmente suas pautas ideológicas, e não para estabelecer um diagnóstico efetivo do cenário criminal do país, o que acaba por impedir o desenvolvimento de políticas eficazes para diminuir os reais problemas nessa área”, comenta Fabricio Rebelo, jurista e coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes).
Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher de 2024, a ministra da Mulher, Aparecida Gonçalves, lançou o “Plano de Ação do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios”, com perspectiva de um investimento de R$ 2,5 bilhões.
O plano prevê 73 ações, incluindo formação continuada em conselhos tutelares e para lideranças LGBT, repasses financeiros para serviços de acolhimento provisório de mulheres em situação de violência e cotas em contratações públicas para mulheres vítimas de violência doméstica. O trabalho, desde prevenção à produção de pesquisas na área, conta com o apoio de nove ministérios – além da Casa Civil e a pasta da Mulher.
Segundo Rebelo, essas ações são apenas assistenciais e quase sempre vinculadas ao momento posterior à agressão, reflexo da compreensão ideológica do governo atual que não traz uma resposta real. “Faltam, por exemplo, ações ligadas à autoproteção da mulher, como a possibilidade de acesso a meios eficazes para que se defendam de agressões, especialmente as de natureza criminal comum”, defende.
O grande problema é que muitos dos agressores não são criminosos reincidentes. Isso lhes permite manter uma integração social normal e camuflar as agressões cometidas contra a parceira ou ex-parceira, de acordo com Davidson Abreu, especialista em Segurança Pública e oficial da Política Militar de São Paulo. “Na maioria esmagadora dos casos, o criminoso não deixa de cometer crime pelo fato da idade, sexo, cor, etc., mas sim pela possibilidade de êxito”, complementa.
Registro de armas diminuiu, mas índices de violência contra a mulher seguem aumentando
A primeira-dama, Janja da Silva, e a ministra da Mulher, Aparecida Gonçalves, já relacionaram a posse de armas aos crimes contra as mulheres em diversas ocasiões. A teoria não possui nenhum embasamento científico, segundo Rebelo. “Não há correlação [entre posse de armas e crimes contra a mulher] que se possa estabelecer com critérios minimamente válidos do ponto de vista científico, tanto que a circulação de armas foi drasticamente reduzida no atual governo e a violência contra a mulher aumentou”, reforça.
De acordo com uma pesquisa sobre vitimização de mulheres no Brasil, também organizada pelo FBSP, 28,9% das mulheres sofreram algum tipo de violência ou agressão em 2023. Chutes e socos correspondem a 11,6% dos casos, espancamento ou tentativa de estrangulamento 5,4% e, na última posição, 5,1% ameaça com faca ou arma de fogo.
“A maior parte dos casos de violência doméstica contra mulheres não é cometida com arma de fogo, justamente pela superioridade de força do homem. O crime de violência doméstica é um caso à parte, que deve ser combatido dando total apoio à mulher, desde a primeira ocorrência ou o primeiro pedido de socorro”, avalia Abreu.
Fabrício Rebelo comenta que é desafiador apontar uma causa específica para a violência contra a mulher, pois deriva de diversos fatores. Muitas agressões contra a mulher estão relacionadas à própria relação familiar – dificuldade financeiras, ciúmes, desavenças –, mas o cenário é mais complexo.
“Boa parte desses registros tem vinculação direta com formas de violência de origem objetivamente criminal, como os registros de crimes patrimoniais com ações violentas, como roubos e latrocínios, e os de natureza sexual, como estupro. Assim, é um cenário a ser analisado muito além da violência familiar ou por questões de gênero, que não se pode desvincular do crescimento dos crimes comuns tendo as mulheres como vítimas”, considera Rebelo.
O que diminui o crime é a certeza da punição, afirma especialista
Para Abreu, medidas focadas em nichos específicos, como raça ou gênero, não trazem resultados efetivos na redução de índices criminais. “É fato que o que reduz a criminalidade é a certeza da punição ou, pelo menos, grande possibilidade. Essa punição deve ser suficiente para desestimular o crime, seguindo assim a Teoria Econômica do Crime de Gary Becker, e tornar a ação criminal desvantajosa.”
Por motivos ideológicos, a esquerda direciona a legislação penal de forma identitária ao criar tipos penais ou aumentar penas para crimes relacionados a raça ou opção sexual, explica Davidson Abreu. “Por exemplo, cometer uma injúria racial pode ter a pena maior do que uma pessoa furar um dos olhos da mesma vítima, sem conotação racial”, exemplifica.
Parte da solução para o verdadeiro combate aos crimes contra as mulheres está nas mãos do Congresso Nacional, de acordo com Abreu. “O melhor de tudo seria a alteração das Leis de Execução Penal, com a redução de inúmeros benefícios, o fim ou alteração das audiências de custódia, redução de recursos, prisão em segunda instância, por exemplo”, conclui.
Apesar das mudanças na legislação serem a função principal do Poder Legislativo e não do Executivo, o governo tem poder para pautar o Congresso de acordo com suas prioridades. Segundo dados do Poder360, em 2020, 64% das leis apresentadas pelo Executivo foram sancionadas, especialmente para o enfrentamento da pandemia da Covid-19. Já em 2023, apenas 24% das leis apresentadas por Lula foram aprovadas no parlamento – a maioria delas relacionada à economia.
Confira a nota enviada pelo Ministério da Mulher, em resposta aos questionamentos da Gazeta do Povo:
“O Ministério das Mulheres informa que, em 2023, retomou o Programa Mulher Viver sem Violência, que volta a integrar e ampliar os serviços públicos mediante articulação dos atendimentos especializados no âmbito da saúde, da justiça, da segurança pública, da rede socioassistencial e da promoção da autonomia financeira. O Programa tem dois eixos prioritários: a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 e a Casa da Mulher Brasileira.
O Ligue 180 é um serviço que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. É possível fazer a ligação de qualquer lugar do Brasil, gratuita, ou acionar o canal via chat no Whatsapp (61) 9610-0180. Ele presta os seguintes atendimentos: orientação sobre leis, direitos das mulheres e serviços da rede de atendimento (Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros; informações sobre a localidade dos serviços especializados da rede de atendimento; registro e encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes; registro de reclamações e elogios sobre os atendimentos prestados pelos serviços da rede de atendimento.
Em fevereiro deste ano, o Ministério das Mulheres lançou o Painel Ligue 180, uma plataforma online que permite consultar os 2.576 serviços que compõem a rede de atendimento às mulheres em situação de violência no Brasil. A ferramenta está disponível no link www.gov.br/mulheres/ligue180.
Sobre as Casas da Mulher Brasileira, atualmente são 10 em funcionamento (Campo Grande/MS, Fortaleza/CE, Ceilândia/DF, Curitiba/PR, São Luís/MA, Boa Vista/RR, São Paulo/SP, Salvador/BA, Teresina/PI e Ananindeua/PA). O equipamento integra, em um mesmo espaço, os principais serviços públicos voltados às mulheres em situação de violência. A expectativa é de que até 2026 sejam construídas mais 40 unidades pelo país.
Em 2023, o Governo instituiu o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, com o objetivo de prevenir todas as formas de discriminação, misoginia e violência de gênero contra mulheres e meninas, por meio da implementação de ações governamentais intersetoriais, com a perspectiva de gênero e suas interseccionalidades. O Pacto envolve várias áreas do Governo Federal com a coordenação do Ministério das Mulheres.
Em junho deste ano, o presidente Lula sancionou o Projeto de Lei 501/2019, que dispõe sobre a elaboração e a implementação de plano de metas para o enfrentamento integrado da violência contra a mulher, da Rede Estadual de Enfrentamento da Violência contra a Mulher e da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.
A sanção da nova lei se soma a uma série de medidas implementadas pelo Governo Federal para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de assegurar a atenção humanizada à mulher que esteja em situação de violência.
Entre as medidas que devem constar no plano estão ações de formação como a inclusão da disciplina específica de violência doméstica e familiar contra a mulher nos cursos regulares das instituições policiais, bem como treinamento continuado, de forma integrada, entre os integrantes dos órgãos de segurança pública.
No âmbito da prevenção, ainda estão previstas a inclusão de conteúdo sobre prevenção da violência contra a mulher no currículo da educação básica e criação da Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher.”