A presença de animais de estimação dentro de hospitais gera preocupação em profissionais de saúde. No Paraná, a liberação das visitas a pacientes em hospitais públicos e privados começou depois que deputados estaduais aprovaram um projeto de lei que autoriza a entrada dos bichinhos nessas instituições. Médicos ouvidos pela reportagem afirmam que há receio por causa das condições de saúde e comportamentais do animal e também devido aos custos que a medida pode gerar para as instituições.
O que diz o projeto
O projeto de lei 836/2015 autoriza o ingresso de animais de estimação que não causem perigo ao paciente, além das espécies usadas em Terapia Assistida de Animais (TAA), como cães, gatos, pássaros, coelhos, chinchilas, tartarugas e hamsters em hospitais públicos e privados. A entrada dos bichinhos deverá ser avaliada e liberada previamente por médicos, ser acompanhada de um familiar e respeitar os critérios estabelecidos pela instituição.
O transporte do visitante animal deverá ser feito em caixa, exceto nos casos de animais de grande porte. O projeto também prevê que as visitas estejam condicionadas ao cumprimento de medidas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como o uso de coleira e focinheira, quando necessário. Em todos os casos, é preciso ter autorização expressa do médico e observância de condições de higiene, carteirinha de vacinação em dia e laudo veterinário sobre a saúde do animal.
A entrada dos animais de estimação do paciente não está permitida em áreas de isolamento, quimioterapia, transplante, queimados, unidade de terapia intensiva (UTI), esterilização e farmácia hospitalar.
O projeto de lei chegou a ser proibido pelo governo do estado, mas teve, em novembro, o veto derrubado por 32 parlamentares – outros sete votaram para mantê-lo. A proposta, de número 836/2015, seguiu novamente para sanção do governador Beto Richa. Com a promulgação pelo Legislativo, a medida deve começar a valer a partir do ano que vem.
O deputado Hussein Bakri (PSD), autor da proposta, afirma que os hospitais de reconhecimento técnico-científico já adotam terapias com animais de estimação. Essas unidades teriam apresentado bons resultados na recuperação dos pacientes. Além disso, segundo o parlamentar, a atividade se insere como uma prática de humanização exaltada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Já para a infectologista Maria Ester Graf, coordenadora do Núcleo de Epidemiologia e Controle de Infecções do Hospital do Cajuru, trata-se de um projeto delicado. Segundo ela, é preciso levar em consideração que envolve o comportamento dos animais e que também existe a possibilidade de riscos à saúde dos pacientes internados na unidade hospitalar que receberá a visita. “O projeto de lei descreve entre os animais de estimação várias espécies. Nos perguntamos como vamos garantir o controle de infestação de pulgas e carrapatos e dejetos de todos esses animais”, argumenta a médica, ao citar ainda a imprevisibilidade do comportamento de um cão ao ver o dono numa situação de fragilidade. “Não se sabe como ele vai reagir, se pode ser agressivo ou não”, pontua.
Maria Ester afirma que a decisão em permitir o acesso, ainda que seja de cães e gatos, aos hospitais deve ir além da questão da humanização da saúde. A regulamentação, segundo ela, é algo bem difícil de ocorrer na prática. “É uma ideia que precisa ser bem amadurecida. Se tivermos um acidente envolvendo esses animais de estimação já é o bastante para que o benefício seja comprometido”, afirma.
O diretor do Hospital Pequeno Príncipe, o médico Donizetti Dimer Giamberardino Filho, afirma que toda a atitude em prol da humanização na saúde deve ser acolhida e avaliada, mas frisa que toda a segurança do paciente hospitalar precisa ser respeitada. “É de responsabilidade do hospital tudo o que diz respeito à saúde do paciente. Tem de se ter uma razoabilidade e proporcionalidade. Não é só fazendo lei que as coisas se resolvem”, analisa.
Outro ponto de discussão, conforme Giamberardino Filho, seria a liberação dessas visitas a pacientes com internamentos curtos. “A média de permanência é de quatro dias, então, a visita só faria sentido se fosse para pacientes internados há mais de dez dias”, diz.
Ele salienta que a medida pode, por exemplo, gerar novas despesas para as instituições – como a criação de uma ala específica para que as visitas ocorram e a presença de um profissional de veterinária responsável dentro dos hospitais. “Nesse grau de dificuldade do país, infelizmente, a maioria dos hospitais que atendem pelo SUS está diante de tantas dificuldades que seria difícil criar mais uma linha de despesas, por mais humanizada que ela fosse. Nesse grau de dificuldade do país, isso seria temerário”, argumenta.
Cães treinados
Os dois profissionais de saúde citam como iniciativas bem-sucedidas no contato de animais com pacientes hospitalares ações desenvolvidas com cães treinados para essa finalidade. É o caso do projeto Amigo Bicho, de Curitiba, pioneiro na área de tratamento de Parkinson e fisioterapia com animais.
Nesta terça-feira (6), voluntários e cães do projeto participaram da sessão da Assembleia Legislativa. Fundadora e coordenadora do Amigo Bicho, a veterinária Letícia Séra Castanho é a favor do projeto de lei que autoriza a visitação de animais de estimação nos hospitais. “A lei vem de encontro com benefícios que a presença dos animais traz. Há melhora no humor, uma mudança visível no comportamento do paciente. Vemos que o foco da dor muda”, defende.
Mas Letícia também afirma que, para colocar o projeto em prática, é preciso seguir uma série de cuidados para evitar problemas com pacientes e animais, como a transmissão de zoonoses para humanos e doenças infectocontagiosas dos pacientes para os bichinhos. “No caso da lei, com certeza o cão deve passar por uma avaliação do veterinário e ter autorização do médico. O hospital deve escolher os locais mais apropriados para isso, de acordo com as regras internas”, sustenta.
Nas ações do Amigo Bicho, por exemplo, nenhum animal tem acesso a áreas com doenças infectocontagiosas nos hospitais visitados. Todos os cães passam por uma seleção para participar do voluntariado. É necessário que o animal tenha mais de 2 anos de idade e que o dono tenha domínio sobre ele. Um especialista na área também avalia se o animal candidato está apto para as visitas e o dono do cão é capacitado a lidar com ele nestas instituições.
São pré-requisitos obrigatórios para os cães estar com a vacinação em dia, passar por uma avaliação de saúde anual com veterinário e ter tomado banho até um dia antes da visita a hospitais. Os animais também têm as patas higienizadas antes de entrar nas instituições. Eles transitam pelos estabelecimentos com coleiras o tempo todo.
A iniciativa foi criada em 2005. Semanalmente, o grupo visita instituições como escolas, asilos e hospitais Cajuru, de Clínicas, Zilda Arns e Santa Casa. Setenta e nove cães treinados estão envolvidos na ação.
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